A. F. Monquelat
V. Marcolla
AS DATAS E SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO
LOURENÇO DO SUL
Os Gusmão e as Charqueadas em São Lourenço do
Sul
O capitão João Cardoso de Gusmão, em seu nome e em
nome de “outros estancieiros moradores na costa do Camaquã,
distrito da Vila do Rio Grande”, encaminharam ao Governador, nos
primeiros meses do ano de 1813, um documento, no qual disse o Capitão
que não tendo “o dito Rio, outro porto próprio para o embarque e
transporte de seus efeitos [produtos], senão o denominado da Estiva,
que fica nos fundos da estância do coronel reformado Simão S. da
Silva, para o qual, suposto havia estrada aberta e, da qual, se serve
o alferes José Cardoso de Gusmão e o tenente João Francisco Vieira
Braga; contudo, o Suplicado impede aos demais moradores [o acesso] a
Servidão”, e que tal atitude fazia com que os Suplicantes tivessem
de fazer uma grande e penosa volta, dada a distância que tinham de
percorrer até o rio São Lourenço; “isto, em detrimento público,
do comércio e da agricultura. E como, para melhor resultado e
incentivo destes interessantes bens ao Estado, se devem abrir e
facilitar todos os meios, sendo para tal, e da maior importância o
pronto transporte para mais fácil e breve exportação;
principalmente, atendendo os gêneros do país, sujeitos à corrupção
e danificação além do que, as providentes leis da Monarquia
atenderam e preveniram nas concessões das terras que, quando se
achasse rio navegável no descobrimento das ditas terras, ficassem
suas margens com a extensão própria para servidão pública; e tal
disposição, ficaria certamente sem efeito, se os proprietários
pudessem, a seu arbítrio, vedar o trânsito e a competente estrada”.
Portanto, e nestes termos, recorriam ao Governador para
que, atendendo o exposto e o grande benefício que resultaria aos
Suplicantes e ao Estado, pela agilidade na pronta exportação de
seus produtos, ainda, “podendo empregar-se em fabricar carnes
secas, salgadas, resultando, daí, maior rédito [rendimento,
lucro...] para a Fazenda Real e utilidade ao Comércio, existindo
naquele lugar, alguns com força [condições] para este e outros
tráficos, pelo maior número de viandantes e para esta mesma
concorrência e comunicação mais cultivadas as terras, e isentas de
facinorosos [criminosos], que procuram refugiar-se naqueles
interiores e costa deserta, se digne mandar que fique livre o porto
da Estiva, do sobredito rio Camaquã, e franco aos moradores e ao
público; abstendo-se o Suplicado de impedir o trânsito ao mesmo,
pela estrada que se acha aberta, pelo qual se servem os já
mencionados tenente Braga, e o alferes José Cardoso de Gusmão”.
Finalizavam o documento pedindo ao Governador que fosse
servido atender aos Suplicantes, com a retidão “que costuma”.
O despacho do Governador ao requerimento do capitão
João Cardoso de Gusmão e demais estancieiros, dado em Porto Alegre
aos dois dias do mês de junho de 1813, foi o de: “Informe o
Coronel do Distrito, ouvindo o Suplicado”.
Melchior Cardoso Osório [filho de Tomás
Luiz Osório], desde a Capela de Nossa Senhora da Conceição, aos 15
dias do mês de setembro de 1813, informou ao Governador que o
coronel Simão Soares da Silva, quando ouvido, disse que “não
embaraçou em tempo algum a exportação para o porto da Estiva, o
que é constante, e que não tem na sua Estância lugar deserto por
nela haver quatro charqueadas
[grifo nosso] e um porto, estabelecido no contemplado caminho. E que
só procura impedir um Passo, que tem no Arroio que divide o fundo do
seu campo e que, embora aberto há trinta anos, nunca foi Real; e
quer, por aquele lugar, invernar uma porção de gado do contratador
Antônio Soares de Paiva; e, pelo mesmo Passo, há mais de três anos
transportam os efeitos [produtos] de uma
charqueada [grifo nosso] que há na sua
Fazenda, e contígua a ele, e os interessados, tenente João
Francisco Vieira Braga e o alferes José Cardoso de Gusmão, por lhes
ser mais cômodo; evitando, assim, o aumento de mais de sete léguas
para chegarem ao dito porto da Estiva, ao não usarem o caminho
Real”.
Melchior Cardoso Osório encerrava o informe dizendo que
o dito, “é tudo o quanto sei informar”.
Ao tomar conhecimento do informado, João
Cardoso de Gusmão, por ele e outros estancieiros da costa do
Camaquã, “têm a honra de apresentarem o seu Requerimento junto,
informado na conformidade do judicioso despacho de V. Exª.,
[baseado] no Comandante do Distrito, cuja informação, não obstante
carecer de precisa clareza sobre todos os pontos que abrange o
Requerimento dos Suplicantes, contudo, bem dá a conhecer que o
Passo, que o Suplicado sesmeiro impede, se acha a 30as.
[ares (?), seria então o equivalente a 3.000 metros]; e que, na
estrada para ele, fica o porto da Estiva, o mais próprio e
conveniente naqueles contornos; e se encurta 7 léguas, o que é
bastante, para se considerar o cômodo e a utilidade que resulta a
todos os moradores no uso daquele, impedido a arbítrio do Suplicado
que, em prejuízo do comércio e por consequência dos Reais
direitos, quer monopolizar o referido porto da Estiva, onde não
consente a edificação de armazéns, para cada um recolher os seus
produtos, que lhes é preciso embarcar; ao ponto de constranger o
fazendeiro José Cardoso de Gusmão, a ter de lhe pagar arrendamento
do próprio armazém que tem naquele Porto; quando, dito porto da
Estiva, com logradouro suficiente, deve ser realengo e de utilidade
pública, conforme as razões já ponderadas.
E porque é sabido haver sobras [de terra] naquela
Fazenda [de Simão Soares da Silva], requerem os Suplicantes, a bem
da franquia do trânsito por aquele mais breve espaço e Passo, que o
Suplicado agora, com estudado pretexto, alega lhe convir fechado para
invernar gado do contratador, a fim de sustar a deliberação da
justa representação dos Suplicantes [que pedem], se digne V. Exª.
conceder-lhes licença para que estes, às suas custas, mandem medir
e demarcar a Sesmaria do Suplicado, para conhecer-se as suas sobras,
e que essas, em bem comum e utilidade do Estado, sejam reservadas,
contra [em direção] ao dito Porto, ficando as mesmas realengas,
para que nelas se possam levantar [erguer] charqueadas, e
estabelecer-se armazéns para depósito dos gêneros e produtos, que
os lavradores e estancieiros daquelas circunvizinhanças, têm de
colocarem em Porto de embarque.
Por tanto, pedem a V. Exª. se digne deferir o
Requerimento junto, com a retidão que costuma; e conceder licença
ao que imploram, para o benefício público sobre o que ponderam os
Suplicantes. E. R. Mercê”.
Os dois requerimentos de João Cardoso de Gusmão e de
outros estancieiros da costa do Camaquã receberam aos 31 dias do mês
de março de 1814, o seguinte despacho: “Na forma requerida.
[Rubrica]”.
Continua...
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Nota:
Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos
autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 23 de outubro de 2011.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 23 de outubro de 2011.
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