sábado, 22 de outubro de 2011

O POVOAMENTO DE PELOTAS (30)*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

AS DATAS E SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO LOURENÇO DO SUL

Os Gusmão e as Charqueadas em São Lourenço do Sul

O capitão João Cardoso de Gusmão, em seu nome e em nome de “outros estancieiros moradores na costa do Camaquã, distrito da Vila do Rio Grande”, encaminharam ao Governador, nos primeiros meses do ano de 1813, um documento, no qual disse o Capitão que não tendo “o dito Rio, outro porto próprio para o embarque e transporte de seus efeitos [produtos], senão o denominado da Estiva, que fica nos fundos da estância do coronel reformado Simão S. da Silva, para o qual, suposto havia estrada aberta e, da qual, se serve o alferes José Cardoso de Gusmão e o tenente João Francisco Vieira Braga; contudo, o Suplicado impede aos demais moradores [o acesso] a Servidão”, e que tal atitude fazia com que os Suplicantes tivessem de fazer uma grande e penosa volta, dada a distância que tinham de percorrer até o rio São Lourenço; “isto, em detrimento público, do comércio e da agricultura. E como, para melhor resultado e incentivo destes interessantes bens ao Estado, se devem abrir e facilitar todos os meios, sendo para tal, e da maior importância o pronto transporte para mais fácil e breve exportação; principalmente, atendendo os gêneros do país, sujeitos à corrupção e danificação além do que, as providentes leis da Monarquia atenderam e preveniram nas concessões das terras que, quando se achasse rio navegável no descobrimento das ditas terras, ficassem suas margens com a extensão própria para servidão pública; e tal disposição, ficaria certamente sem efeito, se os proprietários pudessem, a seu arbítrio, vedar o trânsito e a competente estrada”.
Portanto, e nestes termos, recorriam ao Governador para que, atendendo o exposto e o grande benefício que resultaria aos Suplicantes e ao Estado, pela agilidade na pronta exportação de seus produtos, ainda, “podendo empregar-se em fabricar carnes secas, salgadas, resultando, daí, maior rédito [rendimento, lucro...] para a Fazenda Real e utilidade ao Comércio, existindo naquele lugar, alguns com força [condições] para este e outros tráficos, pelo maior número de viandantes e para esta mesma concorrência e comunicação mais cultivadas as terras, e isentas de facinorosos [criminosos], que procuram refugiar-se naqueles interiores e costa deserta, se digne mandar que fique livre o porto da Estiva, do sobredito rio Camaquã, e franco aos moradores e ao público; abstendo-se o Suplicado de impedir o trânsito ao mesmo, pela estrada que se acha aberta, pelo qual se servem os já mencionados tenente Braga, e o alferes José Cardoso de Gusmão”.
Finalizavam o documento pedindo ao Governador que fosse servido atender aos Suplicantes, com a retidão “que costuma”.
O despacho do Governador ao requerimento do capitão João Cardoso de Gusmão e demais estancieiros, dado em Porto Alegre aos dois dias do mês de junho de 1813, foi o de: “Informe o Coronel do Distrito, ouvindo o Suplicado”.
Melchior Cardoso Osório [filho de Tomás Luiz Osório], desde a Capela de Nossa Senhora da Conceição, aos 15 dias do mês de setembro de 1813, informou ao Governador que o coronel Simão Soares da Silva, quando ouvido, disse que “não embaraçou em tempo algum a exportação para o porto da Estiva, o que é constante, e que não tem na sua Estância lugar deserto por nela haver quatro charqueadas [grifo nosso] e um porto, estabelecido no contemplado caminho. E que só procura impedir um Passo, que tem no Arroio que divide o fundo do seu campo e que, embora aberto há trinta anos, nunca foi Real; e quer, por aquele lugar, invernar uma porção de gado do contratador Antônio Soares de Paiva; e, pelo mesmo Passo, há mais de três anos transportam os efeitos [produtos] de uma charqueada [grifo nosso] que há na sua Fazenda, e contígua a ele, e os interessados, tenente João Francisco Vieira Braga e o alferes José Cardoso de Gusmão, por lhes ser mais cômodo; evitando, assim, o aumento de mais de sete léguas para chegarem ao dito porto da Estiva, ao não usarem o caminho Real”.
Melchior Cardoso Osório encerrava o informe dizendo que o dito, “é tudo o quanto sei informar”.
Ao tomar conhecimento do informado, João Cardoso de Gusmão, por ele e outros estancieiros da costa do Camaquã, “têm a honra de apresentarem o seu Requerimento junto, informado na conformidade do judicioso despacho de V. Exª., [baseado] no Comandante do Distrito, cuja informação, não obstante carecer de precisa clareza sobre todos os pontos que abrange o Requerimento dos Suplicantes, contudo, bem dá a conhecer que o Passo, que o Suplicado sesmeiro impede, se acha a 30as. [ares (?), seria então o equivalente a 3.000 metros]; e que, na estrada para ele, fica o porto da Estiva, o mais próprio e conveniente naqueles contornos; e se encurta 7 léguas, o que é bastante, para se considerar o cômodo e a utilidade que resulta a todos os moradores no uso daquele, impedido a arbítrio do Suplicado que, em prejuízo do comércio e por consequência dos Reais direitos, quer monopolizar o referido porto da Estiva, onde não consente a edificação de armazéns, para cada um recolher os seus produtos, que lhes é preciso embarcar; ao ponto de constranger o fazendeiro José Cardoso de Gusmão, a ter de lhe pagar arrendamento do próprio armazém que tem naquele Porto; quando, dito porto da Estiva, com logradouro suficiente, deve ser realengo e de utilidade pública, conforme as razões já ponderadas.
E porque é sabido haver sobras [de terra] naquela Fazenda [de Simão Soares da Silva], requerem os Suplicantes, a bem da franquia do trânsito por aquele mais breve espaço e Passo, que o Suplicado agora, com estudado pretexto, alega lhe convir fechado para invernar gado do contratador, a fim de sustar a deliberação da justa representação dos Suplicantes [que pedem], se digne V. Exª. conceder-lhes licença para que estes, às suas custas, mandem medir e demarcar a Sesmaria do Suplicado, para conhecer-se as suas sobras, e que essas, em bem comum e utilidade do Estado, sejam reservadas, contra [em direção] ao dito Porto, ficando as mesmas realengas, para que nelas se possam levantar [erguer] charqueadas, e estabelecer-se armazéns para depósito dos gêneros e produtos, que os lavradores e estancieiros daquelas circunvizinhanças, têm de colocarem em Porto de embarque.
Por tanto, pedem a V. Exª. se digne deferir o Requerimento junto, com a retidão que costuma; e conceder licença ao que imploram, para o benefício público sobre o que ponderam os Suplicantes. E. R. Mercê”.
Os dois requerimentos de João Cardoso de Gusmão e de outros estancieiros da costa do Camaquã receberam aos 31 dias do mês de março de 1814, o seguinte despacho: “Na forma requerida. [Rubrica]”.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 23 de outubro de 2011.

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