sábado, 10 de setembro de 2011

UMA CHARQUEADA NO SERRO PELADO*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

A história das terras que deram origem à charqueada do Serro Pelado teve seu início com a petição do padre João de Castro Ramalho.
Neste documento disse o Padre que de acordo com o Edital mandado publicar pelo governador José Marcelino, em 1º de janeiro de 1780, se mandava repartir as terras, dentro da divisão meridional deste Continente, “e os que tiverem documentos ou serviços prestados a Sua Majestade, que o disponham para terem a preferência dentre os demais”; o que levou o Padre a dizer que os serviços que “tem feito a Sua Majestade é o de ter servido no ofício de Capelão, no Regimento de Extremos, por tempo de dez anos, como consta dos documentos que junto oferece”; e, que isto o levava a pretender “um terreno devoluto, que faz frente pelo Leste, com o Serro Pelado; pelo Sul e Sudoeste, com José de Azevedo e o tenente-coronel João de Azevedo, fazendo fundos para o Oeste; e, pela maior parte, se dividem com a Serra. [E que], para povoar a dita Sesmaria ou terras, declara ter tudo o que é preciso para dar princípio [...]”.
Atendendo ao requerimento do padre João de Castro Ramalho, pediu o Brigadeiro Governador o “Informe o Senhor Coronel Rafael Pinto Bandeira, ouvindo o Capitão de Dragões, Manoel Marques de Souza. Vila de São Pedro, 10 de outubro de 1780 [Rubrica]”.
Rafael Pinto Bandeira, por sua vez, pediu em 23 de outubro do mesmo ano, que Manoel Marques de Souza se manifestasse com relação ao pretendido.
Aos 25 de novembro de 1780, informou Marques de Souza que o terreno pedido pelo “Reverendo Suplicante, está devoluto [e ele], tem meios para o cultivar e é merecedor ser atendido”.
Aos 27 dias de novembro de 1780, o Governador concedeu ao Padre “três léguas de comprido e uma de largo, no terreno que aponta”; com a ressalva de que “só terá vigor não se apresentando outro Sesmeiro com documento mais antigo; e, ficando obrigado a requerer tal terreno na forma das Reais Ordens”.
Não aparecendo documento mais antigo, ficou o padre João de Castro Ramalho de posse das terras até 8 de fevereiro de 1782, quando, então, declarou no próprio título que: “Pertencem as terras de que trata este título, a meu irmão Gaspar de Araújo Castro Ramalho, por delas lhe ter feito doação. Rio Grande [...]”. Logo após, consta a assinatura do Padre.

GASPAR DE ARAÚJO CASTRO RAMALHO VENDE, NO RIO DE JANEIRO, A SESMARIA QUE LHE FORA DOADA

Aos cinco dias do mês de julho do ano de 1785, Gaspar de Araújo Castro Ramalho e sua mulher, Joana Maria Cordeiro, comparecem em “casas de morada de mim Tabelião adiante nomeado, nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, de uma banda, como vendedores moradores nesta cidade; e, de outra, como comprador, Joaquim José da Silva, procurador bastante, que mostrou ser de José Roiz da Fonseca, por procuração feita nesta nota por mim Tabelião, em 21 de janeiro de 1780, […]. Logo pelos ditos vendedores, […], perante as mesmas testemunhas; que eles são donos de uma estância sita no Continente do Rio Grande, que consta a mesma de três léguas de comprido e uma de largo, que faz frente para Leste no Serro Pelado […] e disse o dito vendedor, que não apresentava o título da dita doação, por se achar em poder do comprador José Rodrigues da Fonseca, que se acha no Continente […] por preço e quantia de cento e setenta e nove mil e duzentos réis, que confirmam ter recebido da mão do comprador, em dinheiro de contado, moeda corrente neste estado, que eu Tabelião dou fé, assino e declaro […]. Tabelião Ignacio Teixeira de Carvalho, que o escrevi. [...]”.
Não muito tempo depois, José Rodrigues da Fonseca, morador no Continente do Rio Grande, através de requerimento encaminhado ao Vice-rei, diz que “possui uns campos por compra que deles fez a Gaspar Dutra Castro Ramalho, como consta da Escritura junta”, dizia ainda que possuía “escravos e avultado número de animais vacuns e cavalares, que já tem em dito campo”, o qual, terá pouco mais ou menos três léguas de comprido e uma de largo, fazendo frente no Serro Pelado; e, pelo Sudoeste, parte com José de Azevedo e o tenente-coronel João de Azevedo; fazendo fundos para Oeste; e, pela outra, se dividem com a Serra [...]”.
O requerimento de José Rodrigues da Fonseca teve, por parte do Vice-rei, o seguinte despacho, em 28 de agosto de 1786: “Informe a Câmara e o Provedor da Fazenda”.
Não conseguimos paleografar, por excesso de tinta, o parecer do Provedor da Fazenda Real; quanto ao da Câmara, foi dito que “As terras que o Suplicante pede, consta-nos que as está possuindo, sem embaraço, para que deixe de conseguir a graça que pretende: V. Exª. mandará o que for servido. Porto Alegre, em Câmara de 25 de novembro de 1786. Antônio José Alencastro; Antônio José de Farias; Antônio Pereira Fernandes; Antônio Rodrigues da Silva e José Roiz de Figueiredo.
Em virtude dos pareceres, recebeu o “Passe Carta na forma das Ordens. Rio, 11 de junho de 1787. [Rubrica]”.

A CHARQUEADA DO SERRO PELADO

Não conseguindo mandar medir e demarcar as terras, exigência para que recebesse sua Carta de Confirmação, volta José Rodrigues da Fonseca a peticionar, dizendo ser “morador estabelecido no Continente do Rio Grande de São Pedro do Sul, com fazenda de agricultura e criação de gado vacum e cavalar, que charqueia aquele, dirigindo [enviando] avultadíssimas porções a este país, com que o abunda [ilegível] daquele gênero; fazendo deste, grandes manadas, cuja tropa também vende para diversas partes, interessando [causando lucro] ao Régio Patrimônio com os grandes Direitos que paga. [grifos nossos].
E como, Real Senhor, a dita fazenda é formada em terras que o Suplicante possui e tem cultivado naquele vastíssimo Continente, e lhe foram concedidas por Sesmaria, como se infere da respectiva Carta inclusa, a qual, mandando o Suplicante pela 1ª via a confirmar, ainda não voltou; ou por omissão dos procuradores, a quem foi incumbido o particular ou pelas circunstâncias ocorrentes; e, porque o Suplicante deseja titular-se legitimamente nas ditas terras, onde se acha estabelecido e tem cultivado: Suplico a V. A. Real para que se digne fazer a graça de lhe mandar confirmar a dita Sesmaria, dispensando-o do lapso de tempo, cujos respectivos direitos, não duvida solver [pagar]. Pede [...]”.

Os Despachos

Haja vista o Procurador da Coroa e Fazenda. Rio, em Mesa de 19 de janeiro de 1809 (Rubrica).

O Procurador

Deve apresentar a medição e demarcação judicial desta Sesmaria. Rio, 19 de janeiro de 1809. (Rubrica).

A Provisão de Lapso de Tempo

Aos 19 dias do mês de janeiro de 1809, o Conde de Aguiar, em nome do “Príncipe Regente [...], há por bem dispensar para que, sem embargo do lapso de tempo, se passe confirmação da Carta de Sesmaria inclusa, que em 30 de junho de 1787 se passou a favor de José Rodrigues da Fonseca: o que V. Exª. fará presente na Mesa do Desembargo do Paço, para que assim se execute”.

A Mesa

Satisfaça. Rio, em Mesa de 26 de janeiro de 1809. (Rubricas).
Encontrando novas dificuldades de cumprir as formalidades exigidas, volta José Rodrigues da Fonseca a peticionar a Sua Alteza Real, informando que, sendo-lhe concedida a Carta de Sesmaria, e pretendendo confirmá-la, requereu “o Suplicante a V. A. Real, por segunda via; e, porque se mandou, por despacho do Procurador da Coroa, juntar a medição das mesmas terras; e, como não tem o Suplicante feito medir, pelo grande respeito que gozam os confrontantes, que obtém dos Juízes das Medições a não medição da Sesmaria do Suplicante; e que, para poder Conferir o referido despacho, requer, por isso a V. Majestade se sirva de mandar passar Provisão dirigida aos Juízes daquele Continente do Rio Grande, para que os mesmos, em tempo breve e logo que esta lhes seja apresentada, façam a medição e demarcação da Sesmaria do Suplicante; e não o fazendo, quando apresentada o for, se haja a culpa [...]”.
O pedido foi atendido aos 6 dias do mês de março de 1809, com o “Passe Provisão. [Rubrica]”.
É lamentável, por falta de documentos, não termos apurado maiores detalhes sobre a Charqueada do Serro Pelado.


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* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 11 de setembro de 2011.
Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.

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