sábado, 30 de julho de 2011

O POVOAMENTO DE PELOTAS (20)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla


AS DATAS E SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO LOURENÇO DO SUL

O NOME SÃO LOURENÇO

Presume a historiografia que o nome do município de São Lourenço do Sul esteja diretamente ligado ao da família Guimarães; e que tal, “segundo consta”, teria acontecido da seguinte maneira: José Antônio de Oliveira Guimarães adquiriu as terras que, “originalmente”, pertenceram a Rafael Pinto Bandeira, e que foram posteriormente transferidas a Manoel Bento da Rocha; e que este, por sua vez, quando as negociou já o fez com a denominação de “Fazenda São Lourenço”, nome que Oliveira Guimarães preservou, por se tratar do Santo de sua devoção.
Essa hipótese, embora plausível, não encontra guarida se encararmos o histórico, já visto por nós conforme os artigos de números 18 e 19 aqui publicados, das terras que Rafael Pinto Bandeira ocupou em São Lourenço.
Rafael Pinto Bandeira, como já visto, teve duas áreas de terras em São Lourenço; a primeira, que segundo palavras do próprio Rafael, a havia “tomado”, dela não teve título ou concessão; a outra área vimos ter sido doada para sua sobrinha, Constança Pinto Bandeira, e que esta, quando tratou de legalizar sua Carta de Sesmaria, já o fez, conforme informação prestada pelo Governador ao Vice-rei, com “todas as suas sobras, [reduzidas] a légua e meia quadrada”.
Por outro lado, não há o menor indício documental de que Manoel Bento da Rocha, ali, tivesse possuído terras ou Fazenda denominada São Lourenço, localizada “numa faixa que se estendia do Arroio Carahá até o Arroio Grande do Sul; ao norte a serra e, ao sul, a Lagoa”.
O que hoje podemos dizer, e provar documentalmente sobre a Estância, e não Fazenda de São Lourenço, é o seguinte:

A ESTÂNCIA DE SÃO LOURENÇO

Isabel Eufrásia de Oliveira, em meados do ano de 1813, através de seu procurador, Manoel Roiz de Carvalho, peticionou à Corte com o propósito de, na condição de viúva de Manoel José de Oliveira Guimarães, medir e demarcar a “Estância de São Lourenço”, que o casal havia adquirido por “compra feita a Afonso Pereira Chaves e outros” e que, portanto, “S. A. Real seja servido mandar-lhe passar Provisão para a dita medição e demarcação, à vista dos títulos que apresentar”.
Em resposta ao requerimento de Isabel Eufrásia de Oliveira, a Mesa e o Procurador da Coroa, desde o Rio de Janeiro aos 21 dias do mês de junho do ano de 1813, deram o seguinte despacho: “A D. Isabel Eufrásia de Oliveira, se há de passar Provisão de medição e demarcação”.
Diante da solicitação de Isabel Eufrásia de Oliveira, para que as terras da Estância de São Lourenço que ela e o marido, Manoel José de Oliveira Guimarães haviam adquirido por compra feita a Afonso Pereira Chaves e outros, fossem medidas e demarcadas, cremos não haver dúvidas quanto à origem desta Estância, por certo, não era oriunda de venda feita pelo Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, que, por sua vez a haveria adquirido de Rafael Pinto Bandeira.
De Afonso Pereira Chaves conseguimos apurar, apenas, que no ano de 1789 era este confrontante, a Oeste, do capitão da Cavalaria Auxiliar da Fronteira do Rio Grande, Antônio Ferreira da Silva, ao qual, em 13 de abril de 1790, foi concedido Sesmaria nas proximidades do Rio Piratini.

MANOEL JOSÉ DE OLIVEIRA GUIMARÃES E SEU SÓCIO, JOSÉ ANTÔNIO DE OLIVEIRA GUIMARÃES

Dez anos após Isabel Eufrásia de Oliveira ter obtido Provisão para medir e demarcar as terras da Estância de São Lourenço, o tenente-coronel José Antônio de Oliveira Guimarães, em petição dirigida ao Imperador, disse: “que tendo comprado conjuntamente com Manoel José de Oliveira Guimarães a Sesmaria originalmente concedida a João Bernardo da Silva, e vindo hoje a pertencer-lhe in totum [no todo], por sua mulher, D. Isabel Eufrásia de Oliveira, que obteve, desta Mesa, Provisão de medição e demarcação em cumprimento da qual, mediu-se e demarcou-se na forma da Lei a dita Sesmaria. Por isso, implora a Graça de se lhe mandar passar Carta de Confirmação, a vista dos documentos juntos. E. Real Mercê”.
Antes de darmos continuidade, fazemos aqui uma pausa para melhor compreensão dos ditos por D. Isabel e José Antônio. Disse D. Isabel ser viúva de Manoel José de Oliveira Guimarães, e nesta condição pediu que lhe passassem Provisão para que pudesse mandar medir e demarcar as terras da Estância de São Lourenço, havida por compra feita a Afonso Pereira Chaves, e outros. Depois, nos veio o tenente-coronel José Antônio de Oliveira Guimarães, e disse que ele e Manoel José de Oliveira Guimarães haviam comprado de João Bernardo da Silva, que hoje lhe pertenciam no todo, visto estar casado com Isabel Eufrásia de Oliveira (viúva de Manoel José de Oliveira Guimarães).
Em outro requerimento, anexo ao primeiro, nos diz José Antônio de Oliveira Guimarães, “que obtendo por Sesmaria, a Data de terras de meia légua de frente, e duas de fundo na Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, e achando-se a mesma medida e demarcada, como consta dos documentos juntos, suplica a V. Majestade Imperial a Graça de lhe mandar passar Carta de Confirmação da mesma, e [...]”.
Considerando que os despachos dados aos dois requerimentos são idênticos, reproduziremos, aqui, apenas os do primeiro. Aos 13 dias do mês de novembro do ano de 1823, o representante do Imperador pede que “Haja vista o Procurador da Coroa e Soberania e a Fazenda Nacional (assinatura ilegível)”.

O PROCURADOR DA COROA E SOBERANIA

Disse este que “Depende de Dispensa do Lapso de Tempo, sem o que não pode deferir-se”.

A FAZENDA NACIONAL

Mostre dispensa de lapso de tempo. Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1823 (duas rubricas)”.
A solicitação feita a José Antônio de Oliveira Guimarães implicava no seguinte: quando obtida, por concessão ou compra, uma sesmaria, tinha o concessionário ou adquirente, um certo prazo para confirmá-la; expirado esse prazo, sem que tal fosse feito, o interessado tinha de justificar o não tê-lo feito em tempo hábil. Razão pela qual José Antônio de Oliveira Guimarães, em duas novas petições, tenta justificar a perda do prazo.
Nas duas petições, idênticas em sua essência, alegou José Antônio ser evidente não se poder obter a confirmação de sesmarias, sem proceder-se a medição e demarcação do terreno; porém, viu-se o requerente impedido desse ato, dada a oposição dos éreos (lindeiros), que propuseram uma série de pleitos, sendo que um deles foi tão renhido, “que veio à Casa da Suplicação”, e ali, convencionando-se, “o Suplicante obteve desistência, como se pode ver da Certidão” anexada.
Entendia também, o Suplicante, que o tempo deveria contar a partir do final da ação que lhe moveram Inácio Ribeiro Leite e seus herdeiros, “como tudo se vê claramente dos Autos, por cópia juntados”.
Encerrando a petição, diz o Suplicante que “por isso implora a V. Majestade Imperial, a Graça de Mandar que a Mesa do Desembargo do Paço, à vista dos documentos e razões ponderadas, mande expedir Carta de Confirmação das Sesmarias que possui no Continente, visto que fazem todas uma só Estância de São Lourenço, [que] é uma e meia propriedade, e não houve omissão ou negligência da parte do Suplicante, para lhe recair a pena do lapso de tempo, que não há [...]”.
Em princípios de janeiro de 1824, volta José Antônio de Oliveira Guimarães a sofrer novos pareceres e haja vistas por parte da burocracia da Corte; e assim, no empurra para esse, para aquele e aquele outro, chega-se aos 27 de julho de 1826, quando: “não havendo inconveniente”, foi o Suplicante atendido no requerido.

A POSSÍVEL ORIGEM DOS OLIVEIRA GUIMARÃES

João José de Oliveira Guimarães (comerciante estabelecido em Porto Alegre); Manoel José de Oliveira Guimarães e José Antônio de Oliveira Guimarães (militares sediados no Rio de Janeiro, pelo menos até o ano de 1802), eram oriundos, ao que tudo indica, desta mesma cidade (Rio de Janeiro).
Diante dos fatos e dos ditos pelas partes, podemos ter como provável origem da Estância de São Lourenço, as terras concedidas a Afonso Pereira Chaves, João Bernardo da Silva e outros; sendo também acrescida de meia sesmaria concedida a José Antônio de Oliveira Guimarães.
Agora vejamos, se aquelas terras eram as terras onde esteve Rafael Pinto Bandeira, por tê-la “tomado”, e que depois as abandonou por ali terem metido mais sete sesmeiros, não seria de todo descabida a hipótese de serem eles, Afonso Pereira Chaves, João Bernardo da Silva e outros.
E neste caso seriam estes, juntamente com Rafael Pinto Bandeira, os primeiros moradores de São Lourenço. Quem sabe?

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 31 de julho de 2011.

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