domingo, 17 de julho de 2011

MANOEL BENTO DA ROCHA: O SENHOR DAS SESMARIAS*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

É por demais surpreendente o fato de a historiografia pelotense ter tratado o capitão-mor Manoel Bento da Rocha quase que tão somente como marido de Isabel Francisca da Silveira, ou “Isabel de Pelotas”, como a ela alguns se referem.
Tal denominação, “Isabel de Pelotas”, não é somente despropositada e inadequada, como totalmente irrelevante, comparada à importante figura do marido, o capitão-mor Manoel Bento da Rocha, natural da Vila do Conde, um dos primitivos habitantes de Pelotas, importante comerciante e um dos maiores proprietários de terras do Continente de São Pedro do Sul.
É provável que dentre as muitas extensões de terra doadas ou compradas por Manoel Bento da Rocha, no Continente do Rio Grande, a primeira tenha sido a que Gomes Freire de Andrada, Governador e Capitão Geral das Capitanias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, por Carta de Sesmaria lhe mandou passar aos dois dias do mês de abril do ano de mil setecentos e cinquenta e cinco (02.04.1755), atendendo a petição do requerente.
Nessa petição, Manoel Bento da Rocha dizia se achar estabelecido nos campos chamados “do Curral de Arroios e neles edificado suas casas, plantado e colhido frutos”. Tais Campos, pelo norte confrontavam com a estância de Manoel Jorge, pelo sul com os de Domingos Jorge Bandeira, pelo leste com a estrada do Albardão e pelo oeste com a Lagoa.
Também é possível que ali tenha permanecido até a ocupação espanhola (1763). De qualquer forma, vamos encontrá-lo por volta de 1770 requerendo, e obtendo “aos vinte e dois de maio de mil setecentos e setenta e um (22.05.1771) o posto de Capitão da Companhia intitulada da Nobreza da Ordenança da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Continente do Rio Grande, da qual é “Capitão Mor Francisco Coelho Ozorio, que vagou por impedimento de Ignacio Ozorio Vieira [...]”.
Tal posto, ou patente, foi concedida por Dom Luiz de Almeida [...] Mello e Silva Mascarenhas, Marquês do Lavradio, na cidade de “S. Sebastião, no Rio de Janeiro”, na data acima referida.
Doze ou treze anos mais tarde (1782/83), em novo requerimento, Bento da Rocha pede à Rainha que o confirme, pois “[...] mostra achar-se o Supe. provido no posto de Capitão mor das ordenanças do Continente do Rio Grande de S. Pedro, com boa aceitação; E para poder livremente continuar o exercício do dito posto pretende [...] a graça de lhe mandar passar sua Carta Patente de confirmação na forma do estilo”.
Bento da Rocha já estava provido no posto que vagara por falecimento de Francisco Coelho Ozorio, desde 23 de abril de 1781, por ordem de “Luiz de Vasconcelos e Souza, do Conselho de Sua Majestade, Vice-rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil, [que ordenara] a todos os Cabos de Guerra, Oficiais de Milícia e Justiça, conheçam e hajam ao dito Manoel Bento da Rocha, por Capitão-mor do referido Continente, e como tal o honrem, estimem e o deixem servir; e, aos Oficiais e Soldados seus Subordinados, em tudo lhe obedeçam, cumpram e guardem suas Ordens, por escrito e de palavra, como devem e são obrigados, no que tocar ao Real Serviço. [...]”.

Sesmaria do Rincão de Pelotas

O primeiro sesmeiro dos campos chamados do “Rincão de Pelotas” é por demais sabido ter sido o coronel Tomás Luiz Osório, por concessão de Gomes Freire de Andrada no ano de 1758.
Considerando o fato de Tomás Luiz Osório, ao que parece, não ter usufruído da posse do dito Rincão, torna-se irrelevante dele nos ocuparmos com maiores detalhes.
A viúva do coronel Tomás Luiz Osório, através de requerimento enviado ao governador José Marcelino, tornou a ser empossada nos referidos campos de Rincão de Pelotas por despacho de 23 de janeiro de 1779. Neste mesmo ano ela, dona Francisca Joaquina de Almeida Castelo Branco e seus dois filhos, Thomaz Luiz Cardoso e Melchior Cardoso Ozório fizeram venda ao capitão-mor Manoel Bento da Rocha.
Antes de entregarmos a palavra ao próprio Capitão, queremos salientar o fato de o requerente e tampouco o concedente da Sesmaria não terem feito qualquer referência ao concessionário anterior, Tomás Luís Osório. Vejamos agora:

Diz o capitão-mor Manoel Bento da Rocha, morador no Continente do Rio Grande de São Pedro, que ele, requerente, alcançou [obteve] Carta de uma Sesmaria de Terras, sitas nos campos chamados de Rincão das Pelotas, por [pelo] Vice-rei, o Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil, como tudo consta da Carta junta.
Pede a V. Majestade, seja servido mandar que se passe a Sua Carta de Confirmação, na forma do estilo”.

Entre os anos de 1790 e 1791, Manoel Bento da Rocha requereu sua Carta de Sesmaria de Terras, sitas nos campos chamados de Rincão das Pelotas, obtendo, depois de quase dois anos de tramitação, todos os despachos favoráveis e a expedição requerida, em 28 de janeiro de 1793, cujo teor é o seguinte:

Luiz de Vasconcelos e Souza, do Conselho de Sua Majestade, Vice-rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil &. Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem, que atendendo a me representar o Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, morador e estabelecido no Continente do Rio Grande de S. Pedro, que ele tinha povoado da parte Ocidental do mesmo Rio Grande, com competentes animais vacuns e cavalares, casas, currais e lavouras, os campos chamados do Rincão de Pelotas, os quais campos estavam fechados, e estremados com o Arroio de Pelotas, que sai da Serra a desaguar na boca do Rio S. Gonçalo, e desta, ao Norte pela Costa da Lagoa dos Patos, até topar-se com o arroio da Contagem; e, por este acima seguir a se encontrar com a mesma Serra, com que fica fechado o mesmo Rincão, em que haveria, de comprido, pouco mais ou menos no triângulo de vários cotovelos, formados dos mesmos arroios, cinco léguas incompletas; e, de largo, em uma grande parte, pouco mais ou menos de meia légua, que na maior parte não chega a ter légua completa; e porque queria haver o referido Rincão por Sesmaria: me pedia que lhe mandasse passar a sua Carta na forma acostumada; e sendo visto o seu Requerimento, em que foi ouvida a Câmara e o Provedor da Real Fazenda do Rio Grande, aos quais se não ofereceu dúvida: hei, por bem, dar de Sesmaria em nome de S. Majestade, em virtude da Ordem da mesma Senhora, em quinze de junho de mil setecentos e onze, ao dito Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, os Campos chamados do Rincão das Pelotas, na parte acima declarada com as confrontações expressadas, sem prejuízo de terceiro ou do direito, que alguma pessoa tenha a eles, com declaração que a cultivará e mandará confirmar esta minha Carta por Sua Majestade, dentro de dois anos; e, não o fazendo, se lhe denegará mais tempo; e, antes de tomar posse deles, os fará medir e demarcar judicialmente, sendo para este efeito notificadas as pessoas com quem confrontar; e será obrigado a conservar os Tapinhoães e Perobas, que se acharem nesta data, deixando de os cortar para outro uso algum, que não seja o de construção das Naus da mesma Senhora, e a cuidar na plantação destas árvores naqueles mesmos lugares, em que já as houve ou forem mais próprios para a produção das mesmas, como também a fazer os caminhos de sua testada, com pontes e estivas, onde necessário for; e, descobrindo-se nela Rio Caudaloso, que necessite de Barca para se atravessar, ficará reservada em uma das margens dele, meia légua de terras em quadra, para a comodidade pública; e, nesta Data, não poderá suceder em tempo algum pessoa Eclesiástica ou Religião e, sucedendo, será com o encargo de pagar dízimos ou outro qualquer que Sua Majestade lhe impuser de novo; e, não o fazendo, se poderá dar a quem denunciar tal ato, como também, sendo a dita Senhora servida mandar fundar no Distrito dela alguma Vila, o poderá fazer, ficando livre e sem encargo algum ou pensão para o Sesmeiro; e não compreenderá esta Data Vieiros [Veio de metal, filão] ou Minas de qualquer gênero de metal, que nela se descobrir, reservando também os paus Reais; e faltando a qualquer das ditas cláusulas, por ser e conforme as que dispõem a Lei e o Foral das Sesmarias, ficará privado desta. Pelo que mando ao Ministro ou Oficial de Justiça, a que o conhecimento desta pertencer, de posse ao dito Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, das referidas terras, na forma acima declarada. E, por firmeza de tudo, lhe mandei passar a presente por mim assinada e selada com o Sinete de minhas Armas, que se cumprirá como nela se contém; e se registrará nesta Secretaria de Estado, e mais partes a que trocar, e se passou por duas vias. Dada nesta Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro: José Pereira Leão a fez aos nove de dezembro de mil setecentos e oitenta e oito; e o Secretário de Estado, Thomas Pinto da Silva, a fez escrever”.



Sesmaria do Rincão Nossa Senhora da Conceição

Esta Sesmaria, que também pertenceu ao capitão-mor Manoel Bento da Rocha, foi dividida em duas metades.
Uma das metades coube ao padre Francisco Ignacio da Silveira Rocha, sobrinho do capitão-mor Manoel Bento da Rocha. A outra, foi doada ao padre Francisco das Chagas. E já que eram proprietários, não eram “agregados”, como a eles se referem alguns pesquisadores da história de Pelotas.
A Sesmaria do Rincão Nossa Senhora da Conceição situava-se entre os Arroios “Correntes” e da “Contage”.
A parte que coube ao sobrinho de Manoel Bento da Rocha ficava “sita entre o Arroio da Contage, dividindo-se pelo meio do passo de dito Contage, com rumo direito ao do passo do dito Correntes, com os fundos para a cerca que fecha o mesmo Rincão [...]”.
Quanto a de Francisco das Chagas, eram as mesmas confrontações, tendo como única diferença os fundos, que davam para a Lagoa dos Patos.
No que diz respeito à extensão das suas terras, ambos disseram que eram “Senhores e possuidores de duas léguas de comprido e de largo menos; e mais de uma em partes”.
Nos requerimentos enviados ao “Senhor Brigadeiro Governador”, em 1780, disseram os dois sesmeiros que estavam de posse dos campos referidos, “por doação que do[s] dito[s] Campo[s] lhe[s] fez para seu[s] patrimônio[s] o Capitão-mor Manoel Bento da Rocha”.
Foi dito ainda, pelo sobrinho de Manoel Bento da Rocha, que seu tio lhe doara também “cem cabeças de gado, cinquenta éguas e seus pastores competentes, dez cavalos mansos e um casal de escravos”.
As mesmas quantidades, inclusive o “casal de escravos”, recebeu o padre Francisco das Chagas.
Os despachos na Corte, aos 11 dias do mês de setembro de 1781, foram idênticos e na mesma data, com o seguinte teor: “Informe o Senado da Câmara e o Provedor da Fazenda Real. Rio, [...]”.
Vejamos então o que nos diz o Provedor da Fazenda Real, Ignacio Ozorio: “As terras, de que faz menção a petição retro, me consta, delas fizera doação ao Suplicante o Capitão-mor deste Continente, Manoel Bento da Rocha, para efeito de nelas [o suplicante] formar seu patrimônio. E sendo com as condições estabelecidas nas Sesmarias, nos parece estar nos termos de ser deferido, havendo V. Exª. assim, por bem, que mandará o que for servido. Porto Alegre, 02 de dezembro de 1781”.
O Senado da Câmara, aos 6 dias do mês de dezembro de 1781, informou que “Tudo quanto o Suplicante alega no seu requerimento retro é a mais pura verdade. É o que podemos informar a V. Sª. [assinaturas]”.
Os requerimentos de Francisco Ignacio da Silveira Rocha e Francisco das Chagas, receberam o “Passe Carta, 20 de abril de 1782” e foram “Registradas no Livro do Registro Geral de nº 32 a folhas 14 e 36”.
O curioso, com relação a esta Sesmaria, é o fato de ser a Sesmaria que o Governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, no mesmo período, “dividiu pelos Cazaes vindo de Maldonado, entre o Rio da Contage e o de Correntes [...], e tem quatro léguas escassas [...]”.
Vejamos, então, através dos documentos que encontramos, o que deve ter ocorrido.
Tendo o governador Cabral da Câmara de prestar contas ao Vice-rei Luiz de Vasconcelos e Souza do que havia feito com os “cazaes” vindos de Maldonado, enviou uma correspondência em 12 de abril de 1781, “Para informar a V. Exª., com a devida exação [exatidão] sobre o requerimento junto, julguei indispensável formalizar o Mapa incluso, do Rincão de Pelotas, e parte do de Ignacio Antônio [da Silveira Cazado], que evidentemente se colige [reúne, ajunta], possuir Manoel Bento da Rocha, no primeiro dos ditos rincões, entre os rios de Pelotas e da Contage, cinco léguas quadradas de terreno ao mesmo tempo que quatro escassas [léguas] que dividem os rios da Contage e de Corrente, se acomodaram sessenta e quatro famílias Portuguesas, restituídas, proximamente, dos domínios de Espanha.
É, sem dúvida pela falta de terrenos devolutos em paragem proporcionada, que me obrigou a prática de semelhante providência. Não se podendo negar, também, que o dito Manoel Bento da Rocha, é digno de atenção, e ainda de ser compensado, à vista da grande Lavoura e da avultada quantidade de escravos e animais, com que povoa e cultiva as suas Fazendas, não só em utilidade própria, mas dos dízimos e direitos Reais.
Deus guarde a V. Exª., muitos anos, Porto Alegre [...]”.
Considerando o teor da correspondência, não resta dúvida alguma que os 64 casais, oriundos de Maldonado, foram, ainda que por breve espaço de tempo, arranchados na Sesmaria do Rincão Nossa Senhora da Conceição, situada entre os Arroios da Contagem e o de Corrientes.
Dom Luiz de Vasconcelos e Souza, em ofício de 26 de maio de 1781, enviado ao Governador da Veiga Cabral, “aprova a compensação da parte que se ocupou no rincão de Pelotas, pertencente ao Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, com 64 famílias portuguesas restituídas dos Domínios de Espanha”.
Dissemos que por breve espaço de tempo ali estiveram os 64 casais, porque Bento da Rocha, possuindo na Ilha da Torotama uma outra Sesmaria, logo propôs ao Governador, por ser mais útil “aos Cazaes e por ser mais perto da Vila do Rio Grande, aonde com mais disposição poderiam levar os seus efeitos [os resultados de suas lavouras]”, que para lá fossem removidos, propondo, ainda, pagar as benfeitorias que naquele lugar tivessem feito, o que aconteceu.
As terras da Torotama, Bento da Rocha as houve por compra feita ao capitão Manoel Fernandes Herreira, que, por sua vez, as possuía desde muito antes da invasão dos castelhanos, como constou dos documentos apresentados quando da venda, contudo, não conseguimos apurar a data.

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* Este artigo foi extraído do livro “Povoamento e Processo de Urbanização de Pelotas”, que será lançado no ano de 2012.
**Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 07 de julho de 2011. 
Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.

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