sábado, 30 de julho de 2011

O POVOAMENTO DE PELOTAS (20)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla


AS DATAS E SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO LOURENÇO DO SUL

O NOME SÃO LOURENÇO

Presume a historiografia que o nome do município de São Lourenço do Sul esteja diretamente ligado ao da família Guimarães; e que tal, “segundo consta”, teria acontecido da seguinte maneira: José Antônio de Oliveira Guimarães adquiriu as terras que, “originalmente”, pertenceram a Rafael Pinto Bandeira, e que foram posteriormente transferidas a Manoel Bento da Rocha; e que este, por sua vez, quando as negociou já o fez com a denominação de “Fazenda São Lourenço”, nome que Oliveira Guimarães preservou, por se tratar do Santo de sua devoção.
Essa hipótese, embora plausível, não encontra guarida se encararmos o histórico, já visto por nós conforme os artigos de números 18 e 19 aqui publicados, das terras que Rafael Pinto Bandeira ocupou em São Lourenço.
Rafael Pinto Bandeira, como já visto, teve duas áreas de terras em São Lourenço; a primeira, que segundo palavras do próprio Rafael, a havia “tomado”, dela não teve título ou concessão; a outra área vimos ter sido doada para sua sobrinha, Constança Pinto Bandeira, e que esta, quando tratou de legalizar sua Carta de Sesmaria, já o fez, conforme informação prestada pelo Governador ao Vice-rei, com “todas as suas sobras, [reduzidas] a légua e meia quadrada”.
Por outro lado, não há o menor indício documental de que Manoel Bento da Rocha, ali, tivesse possuído terras ou Fazenda denominada São Lourenço, localizada “numa faixa que se estendia do Arroio Carahá até o Arroio Grande do Sul; ao norte a serra e, ao sul, a Lagoa”.
O que hoje podemos dizer, e provar documentalmente sobre a Estância, e não Fazenda de São Lourenço, é o seguinte:

A ESTÂNCIA DE SÃO LOURENÇO

Isabel Eufrásia de Oliveira, em meados do ano de 1813, através de seu procurador, Manoel Roiz de Carvalho, peticionou à Corte com o propósito de, na condição de viúva de Manoel José de Oliveira Guimarães, medir e demarcar a “Estância de São Lourenço”, que o casal havia adquirido por “compra feita a Afonso Pereira Chaves e outros” e que, portanto, “S. A. Real seja servido mandar-lhe passar Provisão para a dita medição e demarcação, à vista dos títulos que apresentar”.
Em resposta ao requerimento de Isabel Eufrásia de Oliveira, a Mesa e o Procurador da Coroa, desde o Rio de Janeiro aos 21 dias do mês de junho do ano de 1813, deram o seguinte despacho: “A D. Isabel Eufrásia de Oliveira, se há de passar Provisão de medição e demarcação”.
Diante da solicitação de Isabel Eufrásia de Oliveira, para que as terras da Estância de São Lourenço que ela e o marido, Manoel José de Oliveira Guimarães haviam adquirido por compra feita a Afonso Pereira Chaves e outros, fossem medidas e demarcadas, cremos não haver dúvidas quanto à origem desta Estância, por certo, não era oriunda de venda feita pelo Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, que, por sua vez a haveria adquirido de Rafael Pinto Bandeira.
De Afonso Pereira Chaves conseguimos apurar, apenas, que no ano de 1789 era este confrontante, a Oeste, do capitão da Cavalaria Auxiliar da Fronteira do Rio Grande, Antônio Ferreira da Silva, ao qual, em 13 de abril de 1790, foi concedido Sesmaria nas proximidades do Rio Piratini.

MANOEL JOSÉ DE OLIVEIRA GUIMARÃES E SEU SÓCIO, JOSÉ ANTÔNIO DE OLIVEIRA GUIMARÃES

Dez anos após Isabel Eufrásia de Oliveira ter obtido Provisão para medir e demarcar as terras da Estância de São Lourenço, o tenente-coronel José Antônio de Oliveira Guimarães, em petição dirigida ao Imperador, disse: “que tendo comprado conjuntamente com Manoel José de Oliveira Guimarães a Sesmaria originalmente concedida a João Bernardo da Silva, e vindo hoje a pertencer-lhe in totum [no todo], por sua mulher, D. Isabel Eufrásia de Oliveira, que obteve, desta Mesa, Provisão de medição e demarcação em cumprimento da qual, mediu-se e demarcou-se na forma da Lei a dita Sesmaria. Por isso, implora a Graça de se lhe mandar passar Carta de Confirmação, a vista dos documentos juntos. E. Real Mercê”.
Antes de darmos continuidade, fazemos aqui uma pausa para melhor compreensão dos ditos por D. Isabel e José Antônio. Disse D. Isabel ser viúva de Manoel José de Oliveira Guimarães, e nesta condição pediu que lhe passassem Provisão para que pudesse mandar medir e demarcar as terras da Estância de São Lourenço, havida por compra feita a Afonso Pereira Chaves, e outros. Depois, nos veio o tenente-coronel José Antônio de Oliveira Guimarães, e disse que ele e Manoel José de Oliveira Guimarães haviam comprado de João Bernardo da Silva, que hoje lhe pertenciam no todo, visto estar casado com Isabel Eufrásia de Oliveira (viúva de Manoel José de Oliveira Guimarães).
Em outro requerimento, anexo ao primeiro, nos diz José Antônio de Oliveira Guimarães, “que obtendo por Sesmaria, a Data de terras de meia légua de frente, e duas de fundo na Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, e achando-se a mesma medida e demarcada, como consta dos documentos juntos, suplica a V. Majestade Imperial a Graça de lhe mandar passar Carta de Confirmação da mesma, e [...]”.
Considerando que os despachos dados aos dois requerimentos são idênticos, reproduziremos, aqui, apenas os do primeiro. Aos 13 dias do mês de novembro do ano de 1823, o representante do Imperador pede que “Haja vista o Procurador da Coroa e Soberania e a Fazenda Nacional (assinatura ilegível)”.

O PROCURADOR DA COROA E SOBERANIA

Disse este que “Depende de Dispensa do Lapso de Tempo, sem o que não pode deferir-se”.

A FAZENDA NACIONAL

Mostre dispensa de lapso de tempo. Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1823 (duas rubricas)”.
A solicitação feita a José Antônio de Oliveira Guimarães implicava no seguinte: quando obtida, por concessão ou compra, uma sesmaria, tinha o concessionário ou adquirente, um certo prazo para confirmá-la; expirado esse prazo, sem que tal fosse feito, o interessado tinha de justificar o não tê-lo feito em tempo hábil. Razão pela qual José Antônio de Oliveira Guimarães, em duas novas petições, tenta justificar a perda do prazo.
Nas duas petições, idênticas em sua essência, alegou José Antônio ser evidente não se poder obter a confirmação de sesmarias, sem proceder-se a medição e demarcação do terreno; porém, viu-se o requerente impedido desse ato, dada a oposição dos éreos (lindeiros), que propuseram uma série de pleitos, sendo que um deles foi tão renhido, “que veio à Casa da Suplicação”, e ali, convencionando-se, “o Suplicante obteve desistência, como se pode ver da Certidão” anexada.
Entendia também, o Suplicante, que o tempo deveria contar a partir do final da ação que lhe moveram Inácio Ribeiro Leite e seus herdeiros, “como tudo se vê claramente dos Autos, por cópia juntados”.
Encerrando a petição, diz o Suplicante que “por isso implora a V. Majestade Imperial, a Graça de Mandar que a Mesa do Desembargo do Paço, à vista dos documentos e razões ponderadas, mande expedir Carta de Confirmação das Sesmarias que possui no Continente, visto que fazem todas uma só Estância de São Lourenço, [que] é uma e meia propriedade, e não houve omissão ou negligência da parte do Suplicante, para lhe recair a pena do lapso de tempo, que não há [...]”.
Em princípios de janeiro de 1824, volta José Antônio de Oliveira Guimarães a sofrer novos pareceres e haja vistas por parte da burocracia da Corte; e assim, no empurra para esse, para aquele e aquele outro, chega-se aos 27 de julho de 1826, quando: “não havendo inconveniente”, foi o Suplicante atendido no requerido.

A POSSÍVEL ORIGEM DOS OLIVEIRA GUIMARÃES

João José de Oliveira Guimarães (comerciante estabelecido em Porto Alegre); Manoel José de Oliveira Guimarães e José Antônio de Oliveira Guimarães (militares sediados no Rio de Janeiro, pelo menos até o ano de 1802), eram oriundos, ao que tudo indica, desta mesma cidade (Rio de Janeiro).
Diante dos fatos e dos ditos pelas partes, podemos ter como provável origem da Estância de São Lourenço, as terras concedidas a Afonso Pereira Chaves, João Bernardo da Silva e outros; sendo também acrescida de meia sesmaria concedida a José Antônio de Oliveira Guimarães.
Agora vejamos, se aquelas terras eram as terras onde esteve Rafael Pinto Bandeira, por tê-la “tomado”, e que depois as abandonou por ali terem metido mais sete sesmeiros, não seria de todo descabida a hipótese de serem eles, Afonso Pereira Chaves, João Bernardo da Silva e outros.
E neste caso seriam estes, juntamente com Rafael Pinto Bandeira, os primeiros moradores de São Lourenço. Quem sabe?

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 31 de julho de 2011.

sábado, 23 de julho de 2011

O POVOAMENTO DE PELOTAS (19)*


A. F. Monquelat
V. Marcolla



AS DATAS E SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO LOURENÇO DO SUL

Antes de sabermos o que disse o Brigadeiro Roncalle sobre o pedido de informe solicitado pelo governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, quanto à concessão de terras solicitada por Rafael Pinto Bandeira, queremos destacar, e é o próprio Pinto Bandeira quem nos informa, que os campos que havia “tomado […] para estabelecimento e criação de dois mil e trezentos animais, que ali têm conservado desde a era de setenta e seis”, não os tinha por concessão; e sim, por havê-los tomado. Daí, ter o Governador despachado (deferido) sete requerimentos, “todos [eles] para dentro dos mesmos campos”; não podendo, assim, Rafael “continuar naquele lugar, pelo pouco terreno que lhe deixaram à criação dos animais, que ele, [ali], tem [...]”.

Foi dito, ainda, por Pinto Bandeira que a área por ele tomada era “para estabelecimento e criação de dois mil e trezentos animais” que ali os tinha conservado desde 1776; portanto, dos tais campos estava de posse há quatro anos; pois, o pedido de uma nova área, feito pelo Brigadeiro ao governador Sebastião da Veiga, é de 1780. A palavra empregada por Pinto Bandeira foi “estabelecimento”, que ainda hoje abriga, dentre outros, o sentido de estabelecer-se; fazer residir; alojar; fixar residência”.

Considerando o até então exposto nos perguntamos: caberá ainda alguma dúvida quanto a Rafael Pinto Bandeira, de alguma forma, não ter “pessoalmente habitado o município” de São Lourenço do Sul?

Caso haja, queremos concluir tal questão, com uma outra afirmação feita por Rafael quando do pedido de “lhe conceder um rincão que está da parte de lá de Camaquã, pela estrada que vai para o Rio Grande, cujo principia no Arroio do Cara-á e tem três léguas de comprido e duas de largo, […] em cujo terreno o Suplicante teve casas e currais desde a erra de setenta e oito [1778]” (grifos nossos).

O INFORME DO COMANDANTE DA FRONTEIRA DO RIO PARDO AO GOVERNADOR

Em resposta ao pedido do “informe” solicitado pelo Governador, disse José Casemiro Roncalle, em 30 de julho de 1780 desde o Rio Pardo, que os campos que o “Suplicante pede, não só me constam estarem devolutos, sem oposição de pessoa alguma; mas também, por ser vulgar o que o Suplicante alega, de lhe haverem introduzido moradores nas [terras] que se acha de posse na costa da Lagoa.

E não só porque, ao seu distinto merecimento, que a todos é patente e estar muito longe de ser prêmio o que o Suplicante pretende. O que me parece estar nos termos de Vossa Senhoria lhos conferir”.

O Comandante da Fronteira do Rio Pardo encerra o documento, dizendo “que é o que podia informar”.

Diante do “informe” recebido, é dado pelo governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, em data de 8 de agosto de 1780 desde Porto Alegre, o seguinte despacho: “Concedo ao Suplicante o terreno que pede para possuir, sem contradição alguma”.

CONSTANÇA PINTO BANDEIRA RECEBE, POR DOAÇÃO, A SESMARIA CONCEDIDA A RAFAEL PINTO BANDEIRA EM SÃO LOURENÇO DO SUL

Oito anos depois, D. Constança de Oliveira Ferreira Pinto Bandeira, através de requerimento, solicita ao Provedor da Fazenda Real, que este autorize, e que lhe seja fornecido, por Certidão, o registro de títulos “de um rincão de três léguas de comprido e duas de largo, conferido a seu tio, o coronel Rafael Pinto Bandeira, de que este lhe fez doação, como há de constar no mesmo Registro [...]”.

Obtido o “como requer”, Constança Pinto Bandeira solicita, aos 23 dias do mês de julho de 1788, que o Escrivão da Fazenda Real e Matrícula de guerra deste Continente do Rio Grande de São Pedro e etecétera, Bernardino Henriques de Amorim lhe certifique “que a folhas cento e cincoenta e três do Livro quinto, que serve de Registo Geral nesta Provedoria, se acha registado o documento que a Suplicante, D. Constança de Oliveira Ferreira, requer por Certidão; cujo registo, da mesma forma que se acha lançado, é do teor seguinte: Registo de um requerimento de D. Constança Ferreira de Oliveira Pinto Bandeira, para se lhe registarem os títulos de uns campos de que lhe fez doação seu tio, o Coronel Pinto Bandeira, como abaixo se declara: Diz D. Constança […], e porque, para que a todo o tempo conste a posse em que a Suplicante, deles fica, que já como tal tem povoado com animais seus, precisa que se lhe registem nesta Provedoria, e como se não pode fazer sem despacho: pede a vossa mercê, seja servido mandar que se registem os referidos títulos, e receberá mercê”. Logo após, vem o “como requer” e a rubrica do Provedor.

Encerra o documento com o seguinte texto: “E não se continha mais no dito requerimento e títulos de terras, que aqui e bem fielmente fiz trasladar dos próprios em dezessete de julho de mil setecentos e oitenta e oito, que tornei a entregar a quem mos apresentou, e de os haver recebido, assinou comigo. […] Escrivão da Fazenda Real, que o subscrevi. Bernardino Henriques de Amorim – Custódio Ferreira de Oliveira Guimarães”.

CONSTANÇA PINTO BANDEIRA ENCAMINHA O PEDIDO DE CARTA DE SESMARIA

Em meados do ano de 1790, Constança requer ao Vice-rei, dizendo-se moradora no Continente do Rio Grande e que, por doação de seu tio estava de posse de um “Rincão de campo”, com três léguas de comprido e duas de largo, situado “à parte de lá do Camaquã, pela estrada que vai para o Rio Grande, o qual principia no Arroio do Cara-á, e o divide o mesmo Arroio pela parte do Norte; e o Arroio das Pedras, pela parte do Sul; fazendo fundos, sempre no Camaquã; o que tudo consta do documento junto. E porque lhe falta o título primordial, para ficar possuindo o sobredito Rincão, sem embaraços para o futuro, recorre e pede a V. Exª. seja servido mandar passar Carta de Sesmaria à Suplicante, para com ela requerer a Sua Majestade confirmação, na forma das Reais Ordens. E. R. Mercê”.

O DESPACHO DO VICE-REI

Informe o Sr. Governador do Rio Grande, ouvindo por escrito a Câmara e o Provedor da Fazenda Real. Rio, 18 de outubro de 1790 [Rubrica]”.

O GOVERNADOR DO CONTINENTE:

Informe o Senado da Câmara, e o Provedor da Fazenda Real do Continente do Rio Grande. Povo de São João Batista de Missões, 8 de janeiro de 1791 [Rubrica do Governador]”.

A CÂMARA:

Sr. Brigadeiro Governador: Consta-nos que o campo, de que trata este requerimento, foram doados à Suplicante por seu tio, o Brigadeiro Comandante Geral, Rafael Pinto Bandeira, é o que podemos informar a V. Sª., que mandará o que for servido. Porto Alegre, em Câmara de 21 de maio de 1791, [várias assinaturas encerram o parecer]”.

O PROVEDOR:

A Suplicante justificou nesta Provedoria haver-lhe cedido seu tio, o Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, os campos de que a petição retro faz menção, os quais lhes foram concedidos por V. Sª. É o que posso informar. Porto Alegre, 23 de maio de 1791. Ignacio Ozorio”.

O INFORME DO GOVERNADOR AO CONDE DE REZENDE

O terreno que a Suplicante, Dona Constança de Oliveira Pinto Bandeira, mencionada no Requerimento junto, pretende com bastante razão e justiça, por lhe haver sido doado por quem legitimamente o possuía, acha-se, em grande parte, compreendido dentro dos limites de duas diferentes Sesmarias; reduzindo-se, portanto, todas as suas sobras, a légua e meia quadrada, e nos termos de V. Exª., por efeito de sua retidão, mande compensar, ou ressarcir, todo e qualquer prejuízo que se julgar haver recebido, por causa das ditas Sesmarias, sendo tudo quanto ao dito respeito posso e devo informar a V. Exª., [...]. Povo de São João Batista, 16 de abril de 1792. (ass.) Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara”.

E por fim o: “Passe Carta na forma das Ordens. Rio, 31 de outubro de 1793. [Rubrica]”.

A referida Carta de Sesmaria, foi registrada no Livro 45, a folhas 190, com o título de “Arroio Carahá”.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
*Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 24 de julho de 2011.

domingo, 17 de julho de 2011

O POVOAMENTO DE PELOTAS (18)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

AS DATAS E SESMARIAS NA SERRA DOS TAPES E SÃO LOURENÇO DO SUL

As terras da região do hoje município de São Lourenço do Sul parece terem sido concedidas aos primeiros sesmeiros que as ali requereram, no final do período da ocupação espanhola de parte do Continente; isto é, a partir do ano de 1776.
É provável, embora dificultoso de confirmar, que as terras daquela região já estivessem parcialmente ocupadas; porém, não sabemos por quem e nem tampouco desde quando ali tivessem se estabelecido com família, escravos, gados, currais e plantações, condições indispensáveis para garantia da posse.
Dentre os não muitos trabalhos existentes sobre a história daquele município, até então editados, tomamos como referência e obra de consulta o livro “São Lourenço do Sul (Cem anos) 1884-1984”, publicado na administração do senhor Rudh Hübner, tendo como autor dos apontamentos históricos o senhor Jairo Scholl Costa.
Na continuidade deste nosso trabalho sobre o “povoamento de Pelotas”, cujos primeiros dezessete artigos foram publicados aqui no DM, desde o dia 21 de março a 1º de agosto de 2010, não temos a pretensão de contar a história de São Lourenço do Sul, até porque, como já o disse Lewis Munford, “as origens [de uma cidade] são obscuras, enterrada ou irrecuperavelmente apagada uma grande parte de seu passado”; no entanto, por circunstâncias histórico-administrativas, durante um longo período a história de Pelotas e a de São Lourenço do Sul estiveram entrelaçadas; daí, e por força deste contexto estarmos trazendo estes apontamentos, que esperamos possam de alguma forma contribuir para maiores informações sobre os primórdios daquela cidade.

RAFAEL PINTO BANDEIRA E CONSTANÇA FERREIRA DE OLIVEIRA PINTO BANDEIRA, SESMEIROS EM SÃO LOURENÇO DO SUL

Diz a historiografia lourenciana, que “parece fora de dúvidas que o primeiro proprietário de terras em São Lourenço do Sul foi, efetivamente, o brigadeiro Rafael Pinto Bandeira [...]”, e que este teria requerido ao Governador da Província, em data de 1780, “a posse de uma faixa de terras na costa da Lagoa dos Patos, que se estendia desde o Arroio Grande do Sul até o Arroio Carahá. [...]”.
Embora irrelevante, não é por demais lembrar que em História, qualquer afirmativa no sentido de primeiro isto ou o pioneirismo daquilo são afirmações que não resistem ao tempo por estarem sempre sujeitas a novas pesquisas, que por sua vez trarão outras afirmações. Também é dito que na petição encaminhada ao Governador, Rafael alegava “possuir essa gleba desde 1776, onde teria construído casa e currais”; e que o Governador havia concedido a área requerida “no mesmo ano da petição, ou seja, em 1780”.
Bem, visto está que Rafael então tinha a posse da tal área desde o ano de 1776 e ali havia construído “casa e currais”. No entanto, logo a seguir é dito que: “Fica também evidenciado que o brigadeiro Pinto Bandeira não morou nestas terras, pois vivia em Rio Grande e, como se sabe, era um dos maiores proprietários da Província”.
Vejamos dois aspectos das afirmações feitas: o primeiro, no que diz respeito a Rafael não ter morado naquelas terras por viver em Rio Grande; ora, Pinto Bandeira, assim como tantos outros homens da sua época, possuíam estâncias e charqueadas, ou apenas charqueadas e tinham casa em Rio Grande, o que era plenamente compreensível e necessário, considerando a importância da cidade de Rio Grande, principalmente no caso de Rafael Pinto Bandeira, se pode até dizer que, em certo contexto, Rafael viveu em todo o Continente; pois era Pinto Bandeira o próprio Continente.
O segundo aspecto é quanto a afirmação de que: “como se sabe, era um dos maiores proprietários da Província”. Como assim, “como se sabe”? Quem é que sabe disso? Quem afirmou isso? Quem documentalmente provou tão propagada afirmação? Alguém sabe?
O que se sabe é que Pinto Bandeira, assim como tantos outros militares, militares-estancieiros, militares-charqueadores, militares-comerciantes ou apenas comerciantes tiveram, em sua quase maioria, mais de uma sesmaria. Mas essas eram possuídas, quase sempre, de forma transitória. Eram sesmarias que, de acordo com a função ou deslocamento de quem as estivesse de posse, transferia a um outro sesmeiro e, em muito poucos casos, foram acumuladas.
No caso de Rafael Pinto Bandeira, que saibamos, quando da sua morte coube à viúva e filhos apenas a sesmaria do Pavão.
Voltando a São Lourenço e a área de terras concedida ao Brigadeiro, é dito ainda: “Além do que, não há documentos que amparem essa ideia”, de que um dia tivesse, Pinto Bandeira, “pessoalmente habitado o município”.
Tais afirmações trazem em si duas contradições. Uma, a de negar o dito pelo próprio Rafael que “alegava possuir essa gleba desde 1776, onde teria construído casa e currais”; a outra, é a de desconhecer o processo de concessão das sesmarias que eram confirmadas depois de reconhecida a posse alegada pelo requerente. Tal processo se dava da seguinte forma: o peticionário encaminhava o requerimento, nele fazendo constar ou que já estava na posse ou que a área requerida era devoluta, além de informar que havia construído casa, currais, nelas tivesse algum tipo de plantação, e ali estivesse com sua família, escravos, animais muares e/ou vacuns, pelo menos.
Feito isto, o documento subia até o Vice-rei que despachava mandando que fosse ouvido, por escrito, o parecer do Governador da Província, a Câmara e o Provedor da Fazenda Real, que atestavam a veracidade das informações prestadas pelo requerente.
Diante de tais circunstâncias, parece-nos temerário qualquer afirmação no sentido de não ter Rafael Pinto Bandeira, de alguma forma, habitado as terras das quais foi sesmeiro, no hoje município de São Lourenço do Sul.
É possível, no entanto, que ouvindo o que tem a dizer o Brigadeiro, quanto às terras que esteve de posse, tenhamos uma melhor compreensão do acontecido: “Diz Rafael Pinto Bandeira, Coronel da Tropa de Cavalaria Ligeira, que ele, Suplicante, serve a Sua Majestade há vinte e sete anos e, tendo tomado uns campos na costa do Rio Grande para estabelecimento e criação de dois mil e trezentos animais, que ali têm conservado desde a era de setenta e seis [1776], o Governador, antecessor de Vossa Senhoria, foi servido despachar sete requerimentos, todos [eles] para dentro dos mesmos campos; e por que, o Suplicante, não pode continuar naquele lugar, pelo pouco terreno que lhe deixaram à criação dos animais, que ele [ali] tem, recorre a Vossa Senhoria seja servido atender aos serviços do Suplicante, em lhe conceder um rincão que está da parte de lá de Camaquã, pela estrada que vai para o Rio Grande, cujo, principia no Arroio do Cara-á e tem três léguas de comprido e duas de largo, cujo rincão o divide o mesmo Arroio Cara-á; e pela parte do Norte, o Arroio das Pedras; e pela parte do Sul fazendo fundos sempre no Camaquã, em cujo terreno o Suplicante teve casas e currais, desde a era de setenta e oito [1778]. Pede a Vossa Senhoria seja servido atender ao requerimento do Suplicante, com a justiça que costuma, e receberá mercê”.
Diante da solicitação feita por Rafael Pinto Bandeira, o então governador Brigadeiro Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, como era de praxe, pediu em documento firmado em Porto Alegre aos vinte e seis dias do mês de junho de mil setecentos e oitenta, que o Brigadeiro José Casemiro Roncalle, comandante da Fronteira do Rio Pardo, informasse quanto a veracidade do dito por Rafael Pinto Bandeira em sua petição.

Continua...



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Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.
*Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 17 de julho de 2011.

MANOEL BENTO DA ROCHA: O SENHOR DAS SESMARIAS*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

É por demais surpreendente o fato de a historiografia pelotense ter tratado o capitão-mor Manoel Bento da Rocha quase que tão somente como marido de Isabel Francisca da Silveira, ou “Isabel de Pelotas”, como a ela alguns se referem.
Tal denominação, “Isabel de Pelotas”, não é somente despropositada e inadequada, como totalmente irrelevante, comparada à importante figura do marido, o capitão-mor Manoel Bento da Rocha, natural da Vila do Conde, um dos primitivos habitantes de Pelotas, importante comerciante e um dos maiores proprietários de terras do Continente de São Pedro do Sul.
É provável que dentre as muitas extensões de terra doadas ou compradas por Manoel Bento da Rocha, no Continente do Rio Grande, a primeira tenha sido a que Gomes Freire de Andrada, Governador e Capitão Geral das Capitanias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, por Carta de Sesmaria lhe mandou passar aos dois dias do mês de abril do ano de mil setecentos e cinquenta e cinco (02.04.1755), atendendo a petição do requerente.
Nessa petição, Manoel Bento da Rocha dizia se achar estabelecido nos campos chamados “do Curral de Arroios e neles edificado suas casas, plantado e colhido frutos”. Tais Campos, pelo norte confrontavam com a estância de Manoel Jorge, pelo sul com os de Domingos Jorge Bandeira, pelo leste com a estrada do Albardão e pelo oeste com a Lagoa.
Também é possível que ali tenha permanecido até a ocupação espanhola (1763). De qualquer forma, vamos encontrá-lo por volta de 1770 requerendo, e obtendo “aos vinte e dois de maio de mil setecentos e setenta e um (22.05.1771) o posto de Capitão da Companhia intitulada da Nobreza da Ordenança da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Continente do Rio Grande, da qual é “Capitão Mor Francisco Coelho Ozorio, que vagou por impedimento de Ignacio Ozorio Vieira [...]”.
Tal posto, ou patente, foi concedida por Dom Luiz de Almeida [...] Mello e Silva Mascarenhas, Marquês do Lavradio, na cidade de “S. Sebastião, no Rio de Janeiro”, na data acima referida.
Doze ou treze anos mais tarde (1782/83), em novo requerimento, Bento da Rocha pede à Rainha que o confirme, pois “[...] mostra achar-se o Supe. provido no posto de Capitão mor das ordenanças do Continente do Rio Grande de S. Pedro, com boa aceitação; E para poder livremente continuar o exercício do dito posto pretende [...] a graça de lhe mandar passar sua Carta Patente de confirmação na forma do estilo”.
Bento da Rocha já estava provido no posto que vagara por falecimento de Francisco Coelho Ozorio, desde 23 de abril de 1781, por ordem de “Luiz de Vasconcelos e Souza, do Conselho de Sua Majestade, Vice-rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil, [que ordenara] a todos os Cabos de Guerra, Oficiais de Milícia e Justiça, conheçam e hajam ao dito Manoel Bento da Rocha, por Capitão-mor do referido Continente, e como tal o honrem, estimem e o deixem servir; e, aos Oficiais e Soldados seus Subordinados, em tudo lhe obedeçam, cumpram e guardem suas Ordens, por escrito e de palavra, como devem e são obrigados, no que tocar ao Real Serviço. [...]”.

Sesmaria do Rincão de Pelotas

O primeiro sesmeiro dos campos chamados do “Rincão de Pelotas” é por demais sabido ter sido o coronel Tomás Luiz Osório, por concessão de Gomes Freire de Andrada no ano de 1758.
Considerando o fato de Tomás Luiz Osório, ao que parece, não ter usufruído da posse do dito Rincão, torna-se irrelevante dele nos ocuparmos com maiores detalhes.
A viúva do coronel Tomás Luiz Osório, através de requerimento enviado ao governador José Marcelino, tornou a ser empossada nos referidos campos de Rincão de Pelotas por despacho de 23 de janeiro de 1779. Neste mesmo ano ela, dona Francisca Joaquina de Almeida Castelo Branco e seus dois filhos, Thomaz Luiz Cardoso e Melchior Cardoso Ozório fizeram venda ao capitão-mor Manoel Bento da Rocha.
Antes de entregarmos a palavra ao próprio Capitão, queremos salientar o fato de o requerente e tampouco o concedente da Sesmaria não terem feito qualquer referência ao concessionário anterior, Tomás Luís Osório. Vejamos agora:

Diz o capitão-mor Manoel Bento da Rocha, morador no Continente do Rio Grande de São Pedro, que ele, requerente, alcançou [obteve] Carta de uma Sesmaria de Terras, sitas nos campos chamados de Rincão das Pelotas, por [pelo] Vice-rei, o Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil, como tudo consta da Carta junta.
Pede a V. Majestade, seja servido mandar que se passe a Sua Carta de Confirmação, na forma do estilo”.

Entre os anos de 1790 e 1791, Manoel Bento da Rocha requereu sua Carta de Sesmaria de Terras, sitas nos campos chamados de Rincão das Pelotas, obtendo, depois de quase dois anos de tramitação, todos os despachos favoráveis e a expedição requerida, em 28 de janeiro de 1793, cujo teor é o seguinte:

Luiz de Vasconcelos e Souza, do Conselho de Sua Majestade, Vice-rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil &. Faço saber aos que esta minha Carta de Sesmaria virem, que atendendo a me representar o Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, morador e estabelecido no Continente do Rio Grande de S. Pedro, que ele tinha povoado da parte Ocidental do mesmo Rio Grande, com competentes animais vacuns e cavalares, casas, currais e lavouras, os campos chamados do Rincão de Pelotas, os quais campos estavam fechados, e estremados com o Arroio de Pelotas, que sai da Serra a desaguar na boca do Rio S. Gonçalo, e desta, ao Norte pela Costa da Lagoa dos Patos, até topar-se com o arroio da Contagem; e, por este acima seguir a se encontrar com a mesma Serra, com que fica fechado o mesmo Rincão, em que haveria, de comprido, pouco mais ou menos no triângulo de vários cotovelos, formados dos mesmos arroios, cinco léguas incompletas; e, de largo, em uma grande parte, pouco mais ou menos de meia légua, que na maior parte não chega a ter légua completa; e porque queria haver o referido Rincão por Sesmaria: me pedia que lhe mandasse passar a sua Carta na forma acostumada; e sendo visto o seu Requerimento, em que foi ouvida a Câmara e o Provedor da Real Fazenda do Rio Grande, aos quais se não ofereceu dúvida: hei, por bem, dar de Sesmaria em nome de S. Majestade, em virtude da Ordem da mesma Senhora, em quinze de junho de mil setecentos e onze, ao dito Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, os Campos chamados do Rincão das Pelotas, na parte acima declarada com as confrontações expressadas, sem prejuízo de terceiro ou do direito, que alguma pessoa tenha a eles, com declaração que a cultivará e mandará confirmar esta minha Carta por Sua Majestade, dentro de dois anos; e, não o fazendo, se lhe denegará mais tempo; e, antes de tomar posse deles, os fará medir e demarcar judicialmente, sendo para este efeito notificadas as pessoas com quem confrontar; e será obrigado a conservar os Tapinhoães e Perobas, que se acharem nesta data, deixando de os cortar para outro uso algum, que não seja o de construção das Naus da mesma Senhora, e a cuidar na plantação destas árvores naqueles mesmos lugares, em que já as houve ou forem mais próprios para a produção das mesmas, como também a fazer os caminhos de sua testada, com pontes e estivas, onde necessário for; e, descobrindo-se nela Rio Caudaloso, que necessite de Barca para se atravessar, ficará reservada em uma das margens dele, meia légua de terras em quadra, para a comodidade pública; e, nesta Data, não poderá suceder em tempo algum pessoa Eclesiástica ou Religião e, sucedendo, será com o encargo de pagar dízimos ou outro qualquer que Sua Majestade lhe impuser de novo; e, não o fazendo, se poderá dar a quem denunciar tal ato, como também, sendo a dita Senhora servida mandar fundar no Distrito dela alguma Vila, o poderá fazer, ficando livre e sem encargo algum ou pensão para o Sesmeiro; e não compreenderá esta Data Vieiros [Veio de metal, filão] ou Minas de qualquer gênero de metal, que nela se descobrir, reservando também os paus Reais; e faltando a qualquer das ditas cláusulas, por ser e conforme as que dispõem a Lei e o Foral das Sesmarias, ficará privado desta. Pelo que mando ao Ministro ou Oficial de Justiça, a que o conhecimento desta pertencer, de posse ao dito Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, das referidas terras, na forma acima declarada. E, por firmeza de tudo, lhe mandei passar a presente por mim assinada e selada com o Sinete de minhas Armas, que se cumprirá como nela se contém; e se registrará nesta Secretaria de Estado, e mais partes a que trocar, e se passou por duas vias. Dada nesta Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro: José Pereira Leão a fez aos nove de dezembro de mil setecentos e oitenta e oito; e o Secretário de Estado, Thomas Pinto da Silva, a fez escrever”.



Sesmaria do Rincão Nossa Senhora da Conceição

Esta Sesmaria, que também pertenceu ao capitão-mor Manoel Bento da Rocha, foi dividida em duas metades.
Uma das metades coube ao padre Francisco Ignacio da Silveira Rocha, sobrinho do capitão-mor Manoel Bento da Rocha. A outra, foi doada ao padre Francisco das Chagas. E já que eram proprietários, não eram “agregados”, como a eles se referem alguns pesquisadores da história de Pelotas.
A Sesmaria do Rincão Nossa Senhora da Conceição situava-se entre os Arroios “Correntes” e da “Contage”.
A parte que coube ao sobrinho de Manoel Bento da Rocha ficava “sita entre o Arroio da Contage, dividindo-se pelo meio do passo de dito Contage, com rumo direito ao do passo do dito Correntes, com os fundos para a cerca que fecha o mesmo Rincão [...]”.
Quanto a de Francisco das Chagas, eram as mesmas confrontações, tendo como única diferença os fundos, que davam para a Lagoa dos Patos.
No que diz respeito à extensão das suas terras, ambos disseram que eram “Senhores e possuidores de duas léguas de comprido e de largo menos; e mais de uma em partes”.
Nos requerimentos enviados ao “Senhor Brigadeiro Governador”, em 1780, disseram os dois sesmeiros que estavam de posse dos campos referidos, “por doação que do[s] dito[s] Campo[s] lhe[s] fez para seu[s] patrimônio[s] o Capitão-mor Manoel Bento da Rocha”.
Foi dito ainda, pelo sobrinho de Manoel Bento da Rocha, que seu tio lhe doara também “cem cabeças de gado, cinquenta éguas e seus pastores competentes, dez cavalos mansos e um casal de escravos”.
As mesmas quantidades, inclusive o “casal de escravos”, recebeu o padre Francisco das Chagas.
Os despachos na Corte, aos 11 dias do mês de setembro de 1781, foram idênticos e na mesma data, com o seguinte teor: “Informe o Senado da Câmara e o Provedor da Fazenda Real. Rio, [...]”.
Vejamos então o que nos diz o Provedor da Fazenda Real, Ignacio Ozorio: “As terras, de que faz menção a petição retro, me consta, delas fizera doação ao Suplicante o Capitão-mor deste Continente, Manoel Bento da Rocha, para efeito de nelas [o suplicante] formar seu patrimônio. E sendo com as condições estabelecidas nas Sesmarias, nos parece estar nos termos de ser deferido, havendo V. Exª. assim, por bem, que mandará o que for servido. Porto Alegre, 02 de dezembro de 1781”.
O Senado da Câmara, aos 6 dias do mês de dezembro de 1781, informou que “Tudo quanto o Suplicante alega no seu requerimento retro é a mais pura verdade. É o que podemos informar a V. Sª. [assinaturas]”.
Os requerimentos de Francisco Ignacio da Silveira Rocha e Francisco das Chagas, receberam o “Passe Carta, 20 de abril de 1782” e foram “Registradas no Livro do Registro Geral de nº 32 a folhas 14 e 36”.
O curioso, com relação a esta Sesmaria, é o fato de ser a Sesmaria que o Governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, no mesmo período, “dividiu pelos Cazaes vindo de Maldonado, entre o Rio da Contage e o de Correntes [...], e tem quatro léguas escassas [...]”.
Vejamos, então, através dos documentos que encontramos, o que deve ter ocorrido.
Tendo o governador Cabral da Câmara de prestar contas ao Vice-rei Luiz de Vasconcelos e Souza do que havia feito com os “cazaes” vindos de Maldonado, enviou uma correspondência em 12 de abril de 1781, “Para informar a V. Exª., com a devida exação [exatidão] sobre o requerimento junto, julguei indispensável formalizar o Mapa incluso, do Rincão de Pelotas, e parte do de Ignacio Antônio [da Silveira Cazado], que evidentemente se colige [reúne, ajunta], possuir Manoel Bento da Rocha, no primeiro dos ditos rincões, entre os rios de Pelotas e da Contage, cinco léguas quadradas de terreno ao mesmo tempo que quatro escassas [léguas] que dividem os rios da Contage e de Corrente, se acomodaram sessenta e quatro famílias Portuguesas, restituídas, proximamente, dos domínios de Espanha.
É, sem dúvida pela falta de terrenos devolutos em paragem proporcionada, que me obrigou a prática de semelhante providência. Não se podendo negar, também, que o dito Manoel Bento da Rocha, é digno de atenção, e ainda de ser compensado, à vista da grande Lavoura e da avultada quantidade de escravos e animais, com que povoa e cultiva as suas Fazendas, não só em utilidade própria, mas dos dízimos e direitos Reais.
Deus guarde a V. Exª., muitos anos, Porto Alegre [...]”.
Considerando o teor da correspondência, não resta dúvida alguma que os 64 casais, oriundos de Maldonado, foram, ainda que por breve espaço de tempo, arranchados na Sesmaria do Rincão Nossa Senhora da Conceição, situada entre os Arroios da Contagem e o de Corrientes.
Dom Luiz de Vasconcelos e Souza, em ofício de 26 de maio de 1781, enviado ao Governador da Veiga Cabral, “aprova a compensação da parte que se ocupou no rincão de Pelotas, pertencente ao Capitão-mor Manoel Bento da Rocha, com 64 famílias portuguesas restituídas dos Domínios de Espanha”.
Dissemos que por breve espaço de tempo ali estiveram os 64 casais, porque Bento da Rocha, possuindo na Ilha da Torotama uma outra Sesmaria, logo propôs ao Governador, por ser mais útil “aos Cazaes e por ser mais perto da Vila do Rio Grande, aonde com mais disposição poderiam levar os seus efeitos [os resultados de suas lavouras]”, que para lá fossem removidos, propondo, ainda, pagar as benfeitorias que naquele lugar tivessem feito, o que aconteceu.
As terras da Torotama, Bento da Rocha as houve por compra feita ao capitão Manoel Fernandes Herreira, que, por sua vez, as possuía desde muito antes da invasão dos castelhanos, como constou dos documentos apresentados quando da venda, contudo, não conseguimos apurar a data.

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* Este artigo foi extraído do livro “Povoamento e Processo de Urbanização de Pelotas”, que será lançado no ano de 2012.
**Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 07 de julho de 2011. 
Nota: Os documentos transcritos foram atualizados e paleografados pelos autores.