sábado, 12 de março de 2011

O CÓLERA EM JAGUARÃO*

  
A. F. Monquelat
V. Marcolla

Dentre as cidades escolhidas para receber a visita do Dr. Ubatuba, médico encarregado pelo Presidente da província de vistoriar e planificar a estratégia, cujo propósito era evitar ou combater o cólera no estado, estava a cidade de Jaguarão; e esta, por sua proximidade de fronteira com o país vizinho, o Uruguai.
Sabemos, por pesquisa, que o Dr. Ubatuba para lá seguiu viagem no dia 11 de outubro de 1855, a bordo do vapor Especulação.
Quanto ao trabalho do Dr. Ubatuba nessa cidade, não apuramos; mas, Jaguarão foi a quarta cidade em número de vítimas feitas pelo cólera e, segundo o Relatório do Presidente da Província, o Barão de Muritiba, o total de coléricos mortos foi de 329 pessoas.
Há, na bibliografia que visitamos, escassas referências sobre a passagem do cólera pela cidade de Jaguarão; e, entre elas, a da pesquisadora Heloisa Assunção Nascimento que, em uma de suas crônicas históricas, a qual titulou de “Cólera-Morbus”, nos informou, sem indicação de fonte, que: “Haviam desertado em pânico os médicos de Jaguarão. Ali, os pestosos e o resto da população permaneciam sem nenhum atendimento” (NASCIMENTO, 1989, p. 78).
Em artigo, aqui no DM publicado, sob o título de “O cólera chega a Rio Grande, Pelotas e Jaguarão”, dissemos a certa altura que: “De acordo com a carta do Dr. José Maria de Azevedo, datada em 27 de novembro de 1855, a um amigo rio-grandino, informou o médico de Jaguarão que: ‘Apareceu, infelizmente nesta cidade, ou ainda vila, no dia 21 do corrente, o cólera-morbus; e, até o escrever estas linhas, 60 pessoas têm sido invadidas [acometidas, perecendo 16 destas. Doentes e mortos, são, em geral, escravos pretos [...]’”.
Viu-se, portanto, através da carta do Dr. Azevedo, não somente a data de chegada do cólera àquela cidade, fato até então desconhecido, bem como tratar-se de um relato feito por um médico de, ou em Jaguarão, quase uma semana depois da chegada do indesejável hóspede.
Continuamos aqui com o relato do Dr. José Maria de Azevedo: “Nesta crise de horrores, só dois médicos existem em Jaguarão.
A campanha já se acha invadida pela epidemia; e onde irá isso parar?
Deus olhe para nossa terra”.
Bem, a julgar pelo número final de vítimas naquela terra, se Deus para ali olhou, não olhou direito.
Assim como o Dr. Azevedo não contou direito o número de médicos que enfrentaram o cólera; pois foram três, sem contarmos o “distinto farmacêutico, Sr. Penedo”, como veremos a seguir, salvo se na conta do Dr. Azevedo eram dois, além do próprio.
Já, em outra carta datada de 26 de novembro, publicada pela imprensa, sem ter sido revelado o nome do autor, vê-se que: “O – ou a – cólera morbus aqui se acha. O número dos verdadeiros coléricos já sobe a 50. Os Drs. Azevedo e Jacutinga não descansam, e são insuficientes para socorrer as vítimas da epidemia.
De colerina, não grave, os casos sobem a cerca de 200 pessoas.
Hospedado o cólera na vila de Jaguarão; mas, logo fará seu giro por toda a província, ao governo compete pois tomar todas as providências enquanto é tempo, mandando para o interior da campanha médicos com ambulâncias, visto que, em todas as vilas há palpitante falta de facultativos”.
A epidemia, avaliada pelo redator do jornal O Jaguarense, de 28 de novembro de 1855, nos dá, ainda que de forma jornalística, uma triste visão do ocorrido em Jaguarão nos tempos do cólera, assim como nos informa quem realmente fugiu, ou, como disse Nascimento: desertou em pânico da cidade.
Eis a notícia: “Desgraçadamente a epidemia tem se desenvolvido terrivelmente e com toda a intensidade, no malfadado Jaguarão; o número de vítimas têm crescido diariamente; sobretudo os escravos, onde a moléstia tem feito estragos mais terríveis.
Os únicos três médicos existentes nesta vila não podem acudir ao avultado número de enfermos: apesar disso, honra seja feita aos Srs. Drs. Jacutinga e Azevedo que, incansáveis, são encontrados em toda parte e, com a rapidez do raio, se transportam de um para outro ponto, sem a menor dilação [demora]; a não ser assim, que seria de Jaguarão?!
Quanto às nossas autoridades, a excetuar o Sr. subdelegado Silva Júnior, que tem se mostrado ativo e inteligente, todas as outras têm se refugiado, não aparecendo em parte alguma.
É uma miséria, que esses Srs. devendo ser os primeiros a se apresentarem em campo, em tal conjuntura, para providenciarem e coadjuvarem os distintos facultativos, e assim também alentar o público, que se acha eivado de terror, sejam os primeiros a abandonarem o povo, entregue a seus males, e covardemente esconderem-se a desgraça, que talvez em seus mesmos esconderijos, os vá acometer também.
Os recursos faltam, e a não serem os três médicos, cujos corações enobrecidos, tanto se têm desvelado pelas vítimas, e o distinto farmacêutico, Sr. Penedo. Ai do povo ! ai! da mísera pobreza” (grifos nossos).
É também as páginas do mesmo jornal, O Jaguarense, que nos informa, e isto em meados de dezembro, continuar aquela povoação possuída da violência do “peçonhento asiático”, que até então já tinha feito 204 vítimas.
Mais detalhes sobre o cólera em Jaguarão, guardamos para quando do lançamento do livro, no qual estamos trabalhando.
Concluindo, e com o propósito de tornar mais compreensível o quão caprichoso foi o cólera, pelo menos nessa sua primeira visita ao Brasil, é preciso saber que na vila de Artigas (hoje Rio Branco), fronteira com Jaguarão, em piores circunstâncias higiênicas, o cólera não apareceu; “tal é o capricho devastador e louco dessa epidemia”.


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Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 13 de março de 2011.

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