domingo, 6 de março de 2011

A AÇÃO FILANTRÓPICA E A ATITUDE ABOLICIONISTA DE UMA LOJA MAÇÔNICA DE RIO GRANDE, NOS TEMPOS DO CÓLERA*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

Sabemos e este é um fator que nos diferencia de outras espécies, que no decorrer de alguma catástrofe, ou qualquer outra situação adversa, haver uma impulsiva ação e reação por parte dos por ela não-atingidos, ou menos atingidos, em ajudar, de alguma forma, os pela desgraça ou fenômeno afetados. Isto é da natureza humana, seja por instinto de sobrevivência da espécie ou por atitude cultural. Aqui, nos referimos apenas àqueles atos de solidariedade pura e simples, atos despojados de qualquer outro interesse, que não o de fazer algo por alguém, que em dado momento ou situação, de tal dependa ou necessite.
Acontece que no desenvolver de nossa pesquisa sobre a primeira visita do cólera na província do Rio Grande do Sul, nos deparamos com um vasto universo de registro sobre as mais variadas formas de filantropia e atos de caridade para com os “desvalidos acometidos pelo cólera”, que decidimos acrescentar um capítulo, até então, não previsto em nosso projeto de trabalho.
Tais atitudes filantrópicas e/ou caridosas, sem dúvida, servem para muitas áreas de pesquisa e, principalmente, à aquelas que se dedicam ao estudo do comportamento humano – desta tão complexa e imprevisível espécie que, apesar do tempo da existência, continua sem saber de onde, para quê e para onde...
Uma guerra, uma epidemia ou outra situação qualquer de perigo serve, ainda que paradoxal, para que o homem conheça e amplie seus conhecimentos sobre o mundo que o rodeia; bem como, também serve para que conheça seus limites.
O cólera e suas mais diversas denominações, todas com a conotação do mal, às vezes explicita no Brasil, quando de sua primeira passagem; portanto, sem histórico anterior, era muito pouco conhecido. Dele e sobre ele sabiam apenas aqueles que o haviam conhecido pessoalmente em outro país, que eram os médicos ou profissionais da área médica, ou então por literatura. E esses formavam um seleto e reduzido número.
O mundo do ontem, tanto no Brasil quanto em outro país qualquer, era um mundo em que o conhecimento, a poucos pertencia.
Esta história se refere ao que vimos sobre os mais diversos comportamentos durante o tempo em que o cólera aqui esteve: desde o humor até a penitência, passando pela filantropia e caridade ou até mesmo absurdos como o de um colaborador de certo jornal da época que, em sua coluna, chegou a afirmar: “A tal filha da Ásia, que veio buscar os seus vizinhos Africanos, tem se feito de criança, arrebatando alguns dos nossos; [...]”.
Embora desnecessário, não é demais esclarecer que a “tal filha da Ásia”, a qual o articulista se referiu, era o cólera; também denominado de “peçonha asiática” e que, bem claro estava a ele, que a epidemia ceifou o maior número de vítimas entre os africanos, para o Brasil trazidos, ou entre seus descendentes.
Um outro exemplo, é o do vigário José Maria Damásio Mattos, que manifestou aos seus paroquianos ser o cólera o “terrível flagelo com que a mão de Deus nos está ferindo, e compenetrado do quanto pode abrandar a sua Divina cólera, lágrimas sinceras de penitência, [...], cheguemos à casa do Senhor e imploremos sua Misericórdia, fazendo cessar tão terrível mal; [...]. Então, o Árbitro Supremo de todos os seres, se compadecerá de nós”.
No que diz respeito à caridade e atitude abolicionista, a primeira referência por nós encontrada com relação à oferta de auxílio aos pobres, caso o cólera invadisse a província do Rio Grande do Sul, veio da “Loja de maçonaria União Constante” que, em sessão realizada no início do mês de outubro do ano de 1855 resolveu, por proposta de seu presidente interino, o Sr. José Joaquim Duarte Souza, aprovar que: no caso das “febres reinantes ataquem a população de Rio Grande, que fosse ofertado, à classe pobre, vinte ou mais dietas [refeições e medicamentos adequados]”.
Também, e por proposição do mesmo senhor, esta loja “manda tomar [subscrever] 10 assinaturas da sociedade Liberdade à escravatura”. Esta segunda proposição, considerando o ano em foco, é realmente surpreendente e nos parece pioneira na questão da liberdade aos escravos, pelo menos no que diz respeito aos escravos desta região.


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Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 06 de março de 2011.

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