sábado, 19 de fevereiro de 2011

O CÓLERA CHEGA A RIO GRANDE, PELOTAS E JAGUARÃO*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

Dentre as cidades visitadas pelo cólera, quando de sua primeira vinda ao Brasil, estão as cidades de Rio Grande, Pelotas e Jaguarão que, a exceção de Porto Alegre, foram os municípios em que o terrível cólera flagelou, e maior número de vítimas fez na província do Rio Grande do Sul.
Três, das quatro cidades citadas, tornaram-se nosso objeto de trabalho; e, sobre elas, nos tempos do cólera, nos propusemos levantar o maior número de informações possíveis quando da estada desse tão indesejável hóspede.
Se em Porto Alegre o cólera ceifou vidas, e tão somente por capricho não fez distinções étnicas ou classes sociais, pois os estudos que sobre tal epidemia existem apontam que assim o foi; já, por outro lado, o mesmo procedimento não usou para com os habitantes de Rio Grande, Pelotas e Jaguarão.
Ali, aqui e lá, colerizou e vitimou maior número de pessoas entre os pobres (brancos e negros), livres e escravos.
A primeira destas cidades a sentir os efeitos da visita desse impiedoso visitante foi Pelotas, segundo informações deixadas pelo procurador e escrivão da Irmandade do Santíssimo Sacramento, José Vieira Pimenta, quando nos diz que: “Infelizmente veio o cólera e no dia 9 de novembro de 1855 faleceu o primeiro colérico, [...]”.
Esta informação que nos legou Vieira Pimenta, embora despida de melhores detalhes, nos leva a uma interrogação: ora, se o cólera desembarcou em Rio Grande, onde dizem que chegou a bordo do vapor Imperatriz, por que o primeiro colérico a falecer na região foi em Pelotas?
Sabemos que em correspondência enviada pelo Dr. Thomaz Lourenço Carvalho de Campos ao Presidente da província, datada de 20 de outubro de 1855, disse o doutor Carvalho de Campos o seguinte: “Participo a V. Sra., que no dia 19 do corrente [outubro] alguns passageiros do vapor Imperatriz, entrando [procedente] da Corte, tendo vindo para a casa de observação, evadiram-se da Quarentena; sendo 2 de Pelotas, e 2 do Rio Grande, que imediatamente participei aos Delegados de Polícia do Sul, e do Norte, e que porém até hoje ainda não voltaram para a Quarentena, e consta-me que eles passeiam livremente em Pelotas e Rio Grande [...]”.
Bem, considerando apenas o caso de Pelotas, temos duas incógnitas: a primeira é que não sabemos nada sobre o falecido colérico de Pelotas, exceto a data da morte; a outra, é que tampouco sabemos quem eram os 2 passageiros evadidos da quarentena e que “passeiam livremente por Pelotas”.
Um dos dois terá sido a primeira vítima do cólera?
Já, no que diz respeito aos 2 passageiros de Rio Grande, e que também por aquela cidade passeavam livremente, quase podemos afirmar que não foram as duas primeiras vítimas do cólera daquele município; pois, as duas primeiras mortes ali ocorridas deram-se nos dias 22 e 23 de novembro de 1855 e, ambas, de escravos.
Observe-se a distância temporal entre o morto de Pelotas, que Vieira Pimenta nos diz ter ocorrido aos 9 dias do mês de novembro e os de Rio Grande, “que ouvimos dizer pelos Srs. facultativos [aqueles que exercem a medicina], que de anteontem [22.11.1855] para cá se tem dado dois casos fatais de cólera nesta cidade, sendo ambos em escravos; [...]”. Vimos que o espaço temporal entre as mortes foi praticamente de duas semanas: 9 a 22/23 de novembro de 1855.
Um outro fato relevante é a data da correspondência do doutor Carvalho de Campos ao Presidente da província: 20 de outubro de 1855, dando conta dos evadidos, que ele diz ter ocorrido no dia 19 do corrente (outubro), data que questionamos estar certa pois, de acordo com nossas pesquisas, a data de chegada do vapor Imperatriz deu-se aos 23 dias do mês de outubro de 1855, portanto...
Com relação à cidade de Jaguarão, trabalhos recentes sobre o cólera e outras epidemias na província do Rio Grande do Sul nos dizem que: “Em princípios de novembro, a epidemia começou a fazer-se presente de forma inegável para as autoridades. As charqueadas ao redor de Pelotas e a própria cidade estiveram entre os primeiros lugares a serem atingidos, o que não chega a causar espanto, visto serem as charqueadas, sem sombra de dúvidas, um dos pontos mais insalubres da província. Simultaneamente se registraram os primeiros casos em Rio Grande e, logo depois, estendendo-se de forma rápida, a epidemia avançou para a vila de Jaguarão e para a capital, [...]”.
De acordo com a carta do Dr. José Maria de Azevedo, datada em 27 de novembro de 1855, a um amigo rio-grandino, informou o médico de Jaguarão que: “Apareceu, infelizmente, nesta cidade, ou ainda vila, no dia 21 do corrente [novembro], o cólera-morbus; e, até o escrever estas linhas, 60 pessoas têm sido invadidas [acometidas], perecendo 16 destas. Doentes e mortos são em geral escravos pretos [...]”. Portanto...
Estas contradições, e muitas outras, são temas abordados no livro que estamos concluindo sobre o cólera, quando de sua primeira visita à província do Rio Grande do Sul, conforme já anunciamos no artigo publicado pelo Diário da Manhã de 13 de janeiro de 2011, sob o título de “A instrução e a educação em Pelotas, nos tempos do cólera”.

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* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 20 de fevereiro de 2011.

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