sábado, 12 de fevereiro de 2011

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (26)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

O estabelecimento dos irmãos Almeida e seus sócios chega ao Continente de São Pedro, trazendo irlandeses e suas técnicas na salga de carnes

Disse João Rodrigues Pereira de Almeida no Contrato firmado em 31 de maio de 1808, ao pedir “que V. A. Real, se digne tomar debaixo de sua proteção”, que o Estabelecimento que ele e seus sócios haviam instalado no Rio Grande, era “o primeiro e único até agora no Brasil”.
Bem, Manoel Antônio de Magalhães em seu “Almanak da Vila de Porto Alegre” (1808), diz que o Rio Grande de São Pedro, “Tem duas fábricas de salgar carne, que anualmente botam [produzem] três mil barris de oito a nove arrobas cada um; devendo-se este tão grande e interessante estabelecimento a João Rodrigues Pereira d’Almeida e Companhia que, apesar de grandes ordenados e despesas, mandou vir à sua custa mestres da Irlanda”.
Dada a falta de clareza e dubiedade na afirmação de Manoel Antônio de Magalhães, quanto às duas fábricas de salgar carnes e seus proprietários, resta-nos apenas a certeza de que João Rodrigues Pereira de Almeida & Companhia eram proprietários de uma das fábricas. A outra, seria a de Dionísio Mcarthy e Diogo Schechy? Ou ambas seriam de Almeida & Companhia?
Uma outra questão, que não nos foi possível esclarecer, é a do local onde funcionou o estabelecimento dos Almeida & Companhia; ao que tudo indica, este Estabelecimento esteve localizado por volta da Vila de Porto Alegre; quem sabe até no sítio de Gravataí.
Aos vinte e oito de abril de 1810, Antônio Felix da Fonseca, da Junta da Fazenda Real da Marinha, acusa, em Lisboa, o recebimento de carne salgada, nos seguintes termos: “Senhor. O Deputado, que serve o Intendente da Marinha na Corte do Rio de Janeiro, por ofício datado em onze de dezembro do ano próximo passado, lhe participou virem carregados no bergantim Boaventura mil e duzentas arrobas de carne salgada, no valor de mil e oitocentos réis a arroba, para provimento dos Armazéns, assim como, ter recebido pelo dito Bergantim, todos os gêneros que neste Arsenal se puderam embarcar, e ficaram em arrecadação. [...]”.
Embora o documento não acuse a procedência da carne, temos fortes razões para crer que as mil e duzentas arrobas de carne salgada tinham origem no estabelecimento dos Almeida & Companhia.
O próximo, e último documento que encontramos, é o Decreto do rei D. João VI, prorrogando por mais dois anos o Contrato em que os Almeida & Companhia se haviam obrigado a fazer o fornecimento de carne salgada para o consumo da Armada Real, nos seguintes termos: Havendo terminado o prazo, pelo qual fui servido prorrogar o Contrato em que Joaquim Pereira de Almeida & Companhia se haviam obrigado a fazer o fornecimento de carne salgada para o consumo da Armada Real, em conformidade com as condições, que Eu tinha havido por bem aprovar, por Decreto do primeiro de junho de mil oitocentos e oito: Sou, ora servido, enquanto não dou outras providências, determinar que por mais dois anos se prossiga a fazer aquele fornecimento, pela maneira prescrita no referido Contrato. O Conde da Barca, do Meu Conselho de Estado, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha, e Domínios Ultramarinos, o tenha assim entendido, e o faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, em cinco de abril de mil oitocentos e dezessete.
Na margem esquerda do Decreto, havia o “Cumpra-se, e registre-se. Palácio do Rio de Janeiro, 16 de abril de 1817. Conde da Barca”.
Antes de concluirmos este capítulo, decidimo-nos por aportar a “Representação do chefe de esquadra e comandante das forças navais do Rio da Prata, Rodrigo José Ferreira Lobo, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha e Brito”, aparentemente sem relação alguma, porque nesta é emitida uma opinião sobre as carnes “que se compra no Rio Grande” para o abastecimento do Arsenal da Marinha: “Ilmo. e Exmo. Senhor. É do meu dever, como fiel vassalo, lançar mão de todas aquelas ocasiões em que a Real Fazenda possa tirar proveito na sua administração, e é por este motivo que eu tenho a honra de participar a V. Exª., que D. Francisco Munhoz, negociante nesta Praça, oferece abastecer o Arsenal da Marinha com toda a carne salgada que possa gastar, não só em toda a América, mas, também, em Portugal, uma vez que se lhe diga a quantidade de barris, que se lhe hão de tomar cada ano, pelo preço de 40 réis a libra, posta à sua custa no Rio de Janeiro, preço este, que até agora a Real Fazenda não tem comprado, e tampouco comprará; porque não é possível, a não ser que neste País, haja um comerciante que faça esta grande oferta à Fazenda Real sem obter lucro, ou caso o tenha, seja de pouco ganho.
Sobre a qualidade destas carnes, respondo eu, e para que seja examinada por quem V. Exª. quiser, além do meu voto, remeto-lhe dois barris que o dito Munhoz me entregou para servir de amostra; bem entendido fique, que o dito Munhoz pretende que aquela que venha a ser feita, seja ainda melhor, porque deverá ser fabricada no tempo frio, e não na força do calor, como esta da amostra foi feita; e é por esta razão, que uma vez que a Fazenda Real queira aceitar esta negociação, tão útil às equipagens dos Navios, ele precisa saber o número de barris que deve entregar nos Armazéns da Marinha na Corte do Rio de Janeiro, além daqueles que aqui gastam a Esquadra, os quais são de menor preço do que aqueles, como é de crer.
O que eu posso asseverar a V. Exª., é que a dita carne é fabricada como as do Norte, e com a grande diferença de ser muito mais em conta, e muitíssimo melhor do que aquela que se compra no Rio Grande. Esta carne, posta no Rio de Janeiro a 40 réis a libra, e sendo transportada nas nossas Charruas ou Correios para Portugal aquela quantidade que for necessária para a Esquadra, fica por muito menor preço, do que aquela que se compra do Norte, e que não é melhor do que esta. E, se a quisermos sem osso, o preço será de 60 réis a libra.
O zelo que tenho no Serviço de S. Majestade, e no interesse da Sua Real Fazenda, como já disse, são os motivos que me obrigam a fazer esta representação. Deus guarde a V. Exª. Quartel de Montevideo, 2 de abril de 1819”.

Final do primeiro período.
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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 13 de fevereiro de 2011.

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