domingo, 6 de fevereiro de 2011

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (25)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

O estabelecimento dos irmãos Almeida e seus sócios chega ao Continente de São Pedro, trazendo irlandeses e suas técnicas na salga de carnes

Considerando o fato de Dionísio Mcarthy e Diogo Schechy terem vindo para o Continente de São Pedro com o propósito de servirem como técnicos no estabelecimento dos irmãos Almeida e seus sócios, entendemos pertinente aportar documentos sobre estes, no mesmo capítulo dedicado ao estabelecimento dos Almeida & Companhia.
Dissemos, há pouco, que estranhávamos que o autor do ofício, Januário Antônio Lopes da Silva, tenha feito referência a dois irlandeses como os responsáveis pela amostra de carne salgada enviada aos Armazéns da Marinha, quando sabemos que a permissão concedida por Sua Alteza Real, a Rainha, foi para que viessem ao Rio Grande, além do intérprete, três irlandeses.
Vejamos, então, o que deve ter acontecido com os quatro irlandeses. É provável que, não muito tempo depois da chegada, Dionísio Mcarthy e Diogo Schechy tenham abandonado o estabelecimento dos Almeida, e formado uma sociedade, cujo propósito, era, também, a salga de carnes. Daí, os encontramos, no dia dezesseis de agosto do ano de 1805 na Vila de Porto Alegre, onde, se fizeram “presentes Dionísio Mcarthy e seu sócio, Diogo Schechy, negociantes nesta Vila, e bem estabelecidos, que os reconheço pelos próprios, de que dou fé; e perante as testemunhas adiante nomeadas e assinadas; por eles foi dito, que para efeito de receberem da Tesouraria Geral desta Capitania a quantia de dois contos e duzentos mil réis, procedida de Dom gratuito, que os vassalos desta mesma quantia contra Florêncio Mcarthy, ausente, a Duarte Power & Companhia, negociantes da praça de Lisboa; queriam eles, voluntariamente, hipotecar para segurança dos referidos dois contos e duzentos mil réis, os seguintes bens de raiz, que vêm a ser: uma Fábrica de salga de carnes, no sítio de Gravataí, duas propriedades de casas, na rua da Ponte, paredes de tijolos, bem acabadas, que possuem livres e desembargadas; assim como, hipotecavam dois terços do bergantim Vencedor, que hão de carregar para Lisboa, e todos os efeitos que já têm pronto na referida Fábrica, e que hão de navegar no mesmo Bergantim, que consistem em carne salgada embarricada; [...]; a cuja satisfação ofereciam também ao capitão José Antônio da Silveira Cazado e Antônio José Pereira Machado, negociantes desta Vila, que sendo também presentes [...], cuja fiança, disseram eles, fiadores e principais pagadores, assinavam livre e espontaneamente [...]. E eu, Tabelião, aceito como pessoa pública, estipulante e aceitante, ausente ao direito desta, em que assinaram; sendo testemunhas presentes Joaquim José de Oliveira Borges e Bento Xavier de Andrade, reconhecidos de mim, Tabelião Antônio Manuel de Jesus Andrade, que escrevi. Dionísio Mcarthy, Diogo Schechy, José Antônio da Silveira Cazado, Antônio José Pereira Machado, Joaquim José de Oliveira Borges, Bento Xavier de Andrade. E não se continha mais coisa alguma na dita Escritura de Hipoteca. [...]”.
Dias depois de lavrada a Escritura de Hipoteca, ou mais precisamente aos dois dias do mês de setembro de 1805, no mesmo Cartório, esteve presente João José de Carvalho Freitas, também morador na Vila de Porto Alegre, e “por ele me foi dito, que vinha livre e espontaneamente afiançar a hipoteca feita na Escritura retro pelos hipotecantes Dionísio Mcarthy e seu sócio, Diogo Schechy, na falta do fiador falido, Antônio José Pereira Machado, obrigando-se a todo o conteúdo da mesma Escritura, [...]”.
Cumpridas que foram as formalidades legais, tratou a Junta da Fazenda Real da capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul, de informar ao príncipe regente, Dom João, o que segue: “Senhor. Tem, esta Junta, a honra de oferecer, na presença de V. A. Real, a lista de carga, que no bergantim Vencedor, Dionísio Mcarthy e Diogo Schechy, negociantes desta Vila, igualmente o original da Escritura, pela qual hipotecaram à Real Fazenda de V. Alteza, os dois terços do dito Bergantim, e a sua respectiva carga, para pagamento de uma Letra de dois contos e duzentos mil réis, que em treze de setembro do ano próximo passado, sacaram sobre Florêncio Mcarthy, ausente, a Duarte Power & Companhia, negociantes na cidade de Lisboa, valor recebido na Tesouraria Geral desta Junta, a pagar a trinta dias, à vista do Tesoureiro-mor do Real Erário, pertencente à segunda remessa dos dons gratuitos, como se vê da primeira via da referida Letra, que já se remeteu, e da segunda, que, nesta ocasião se dirige à Real Presença, a fim de que não sendo aceita, possa a Real Fazenda indenizar-se daquela quantia, pelo que valerem os dois terços do dito Bergantim, e sua respectiva carga.
Deus guarde a Real e Fidelíssima Pessoa de V. Alteza Real, como necessitam os seus fiéis vassalos. Porto Alegre, quinze de março de mil oitocentos e seis. Paulo José da Silva Gama, Agostinho Antônio de Faria, Antônio Caetano da Silva, Manoel José de Alencastro, Antônio Monteiro da Rocha, Luiz Corrêa Teixeira de Bragança”.
Logo após o “está conforme”, dado por Antônio Caetano da Silva, estava a relação da carga do bergantim Vencedor, composta de: 863 barris de carne salgada, 2.000 couros em cabelo, 230 arrobas de sebo coado, em surrões, 2.800 pontas [chifres] de bois; e, por último, as assinaturas de Dionísio Mcarthy e Diogo Schechy.
Posterior aos dados aqui dispostos, vamos encontrar novamente o nome de Dionísio Mcarthy na “Relação dos comerciantes da capitania de todo o Rio Grande de S. Pedro do Sul. A saber, vila de Porto Alegre, capital de toda a capitania”. Relação esta, que integra o Almanak da Vila de Porto Alegre, organizado por Manoel Antônio de Magalhães, com data de 20 de julho de 1808.
Dentre os nomes dos irlandeses que vieram para o Continente, arrolados por Paulo Xavier em seu artigo “Salgas de Carne”, vê-se que não consta o nome de Dionísio Mcarthy, e sim o de Florêncio Mcarthy; acreditamos, considerando que Florêncio Mcarthy estava em Lisboa, e contra ele foi sacada a Letra de dois contos e duzentos mil réis, que ao invés de vir para o Rio Grande, Florêncio, veio em seu lugar, Dionísio Mcarthy.

O estabelecimento dos Almeida & Companhia, firma Contrato de fornecimento de carne salgada à Armada Real, pelo prazo de seis anos

O príncipe regente, D. João, com base no entendimento do Ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, o Visconde de Anadia, em primeiro de junho de mil oitocentos e oito, no Palácio do Rio de Janeiro, assina Decreto aprovando as condições propostas por João Rodrigues Pereira de Almeida & Companhia para fornecer à Armada Real carne salgada da capitania do Rio Grande de São Pedro, pelo prazo de seis anos.

O Contrato

João Rodrigues Pereira de Almeida & Companhia tem a honra de propor a Vossa Alteza Real as seis condições seguintes, com as quais se oferecem a dar por tempo de seis anos, sete mil arrobas de carne salgada em moura, feita na Capitania de São Pedro, por preço de 1$800 réis cada arroba, para consumo da Armada Real.
1ª. – Obrigam-se a entregar em cada um dos seis anos, que hão de ter princípio no primeiro de junho de mil oitocentos e oito; e findar-se, no primeiro de junho de mil oitocentos e quatorze, sete mil arrobas de carne salgada em barris, para consumo da Armada Real, as quais sete mil arrobas, em cada um ano serão tomadas por conta da Real Fazenda, passarão livres de bordo das embarcações que as conduzirem, para os Reais Armazéns, pelo preço de mil e oitocentos réis cada arroba. Os barris serão todos examinados, e aqueles que se acharem em mau estado, e com princípio de corrupção e ruína, serão refugados por conta dos Contratadores;
2ª. – se, além das sete mil arrobas anuais, for necessário outra porção para o ano futuro, se lhes fará a encomenda ou em novembro, ou em dezembro do ano antecedente, com a declaração do número de arrobas que se julgar preciso;
3ª. – no caso em que o sal suba [de preço], ou baixe consideravelmente, se alterará também o preço da carne em uma justa proporção, como V. A. Real houver por bem [determinar], precedendo as informações dos Fiscais, e sendo ouvidos os Contratadores;
4ª. – também se obrigam a meter nos Reais Armazéns, pelo mesmo espaço de seis anos, até cem arrobas de sebo em velas, e trezentas em pão [bolas de sebo], que lhes serão pagas, umas e outras, pelo preço corrente da Praça; e se for necessário maior quantidade, se lhes encomendará, com a antecipação conveniente;
5ª. – o pagamento se lhes fará a 3 e 6 meses depois da entrega das partidas [remessas] de carne, pela Repartição que fizer os outros pagamentos do Arsenal Geral da Marinha;
6ª. – que V. A. Real se digne tomar debaixo de sua proteção este Estabelecimento, o primeiro e único até agora no Brasil, e conceder-lhes que, por Sua Real Presença, subam pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos quaisquer Requerimentos que hajam de fazer, e que necessitarem, assim como o pagamento para a conservação deste Estabelecimento e deste Contrato. Rio de Janeiro, 31 de maio de 1808. João Rodrigues Pereira de Almeida & Companhia.
Após a assinatura, na margem esquerda do Contrato, havia o “Cumpra-se e registre-se. Rio de Janeiro, 1º de junho de 1808. Visconde de Anadia”.


Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 06 de fevereiro de 2011.

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