sábado, 8 de janeiro de 2011

VAMOS CONGONHAR?


A. F. Monquelat
V. Marcolla

A primeira expedição de Manoel Gonçalves de Aguiar ao Sul, se deu em 11 de fevereiro de 1711 por solicitação do Governador do Rio de Janeiro, Francisco de Castro Moraes, e ordem de Manoel Gomes Barbosa, Mestre-de-campo e Governador da Praça de Santos, ponto de partida de Manoel G. Aguiar.
Outra entrada, e que trouxe Aguiar até a Vila de Laguna, em 1716, é a que deu origem às “Notícias Práticas da Costa e Povoações do Mar do Sul”, na qual Gonçalves de Aguiar, respondendo às perguntas feitas pelo Governador Antônio de Brito e Menezes, nos informa sobre a erva congonha.
A pergunta, que é a 13ª, foi feita com o seguinte conteúdo: “Há notícia de que os Castelhanos, neste sertão ou nesta vizinhança, vão aí buscar a Erva chamada Congonha [...]?
Ao que responde Manoel Aguiar: “Pelas notícias que me deram os moradores da Laguna, quando lá estive em janeiro de 1716, os Castelhanos se abastecem das congonhas na cidade que denominam de Paraguay e outros lugares circunvizinhos, mas, principalmente nas aldeias dos P. P. da Companhia dos Castelhanos [Companhia de Jesus], que ficam todas pelo rio de Buenos Aires acima, bem como na mesma parte. E que aí faziam negócio para levarem à outra parte, que é, ao Peru. [...]”.
Posteriormente, quando preparávamos a 21ª parte da série que aqui, no DM, estamos publicando sob o título geral de O desbravamento do Sul e o povoamento de Pelotas – uma história documental e cronológica”, a certa altura nos deparamos novamente com o nome congonha, pois em uma das cartas que Silva Paes envia ao governador da Capitania do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, pede o Brigadeiro, dentre outros gêneros, que o governador lhe envie congonha.
Alega Paes que os 700 alqueires (antiga medida de grãos: seis alqueires faziam um saco) vindos anteriomente, haviam terminado “e os soldados não a tem”.
Tal pedido nos deixou curiosos; pois, no primeiro momento não sabíamos do que se tratava. A curiosidade, razão de ser deste Artigo, nos levou a buscar o significado da palavra congonha.
Tendo à mão, o velho e indispensável “Diccionario da Lingua Portuguesa”, de Antonio de Moraes Silva, nosso primeiro e sempre fonte de pesquisa dos dicionaristas que o sucederam, e lá estava: “Congònha, s. f. (termo do Brazil) O mesmo que Mate, ou Herva mate § No Estado de Minas dá-se este nome à Ilex congonha (Lambert), e de Congonha do campo ou Mate à Luxemburgia polyandra (Saint-Hilaire), cuja infusão é um sucedâneo do verdadeiro mate. § A bebida que se faz com a folha d’esta planta; mate”.
É também Moraes quem nos diz que: “Congonhar, verbo intransitivo (termo vulgar do Rio Grande do Sul) Tomar mate”. E o que nos diz Moraes sobre “Matear: verbo intransitivo (t. do Rio Grande do Sul) O mesmo que Congonhar”.
Consultando ainda Carlos Teschauer, S. J., nos informa este em sua “III Série das Apostilas ao Dicionário de Vocábulos Brasileiros”, que: “Congonha s. f. (bot. Ilex paraguariensis Saint-Hilaire) nome guarani e vulgar usado da erva-mate (tupi-guarani, corruptela congõi, talvez corruptela de mo-cong, o que sustenta)”.
Em tupi-guarani, congõi é o que faz ser, que alimenta.
Sobre a Congonheira, diz Teschauer que é um termo: “s. f. (botânica nome da árvore da erva-mate ou congonha. ‘Dizem alguns que as folhas da congonheira ou erva-mate eram a princípio mascadas pelos selvagens, principalmente quando iam a pesca, ou a caça, ou aos trabalhos pelas localidades pantanosas e alagadiças, que tanto abundam nas regiões ribeirinhas do Paraguai e seus afluentes e que graças a este meio eram poupados das febres palustres, e suportavam facilmente a fome e as fadigas’. (Caminhoá, III. pag. 2627)”.
João S. Decker, em sua obra “Aspectos Biológicos da Flora Brasileira”, nos informa que “A palavra ‘mate’ é, porém, a denominação do recipiente, o arcobouço de uma Cucurbitaca do gênero Lagenaria, em que se prepara a bebida; que assim recebeu este mesmo nome por mera extensão da palavra. A denominação de ‘herva mate’ vem da palavra espanhola ‘Yerba’ e é a tradução da palavra ‘caá’ com que os índios do Paraguai designam as folhas da Ilex, enquanto os índios do Brasil as chamam de ‘congonha’. A cultura da ‘herva mate’ e a história colonial do Brasil, estão intimamente ligadas’.
A pergunta que nos fizemos, ao ler a carta, foi “o que Silva Paes pedira ao governador para dar aos seus soldados?”
Informados por Moraes e Teschauer descobrimos que os soldados de Silva Paes, por estarem em falta, queriam erva mate.
Não é despropositado fazermos outra indagação: se os soldados não eram sul-rio-grandenses, afinal, de quem herdamos o hábito de matear?
Bem, enquanto nos indagamos, ainda que a resposta nos pareça clara, vejamos através da correspondência de Gomes Freire de Andrade com Diogo de Mendonça Corte Real, outros benefícios atribuídos à congonha.
Na primeira carta, datada de 6 de novembro de 1755, desde a Vila do Rio Grande, diz o Governador a certa altura: “Não sabendo qual é a queixa mais dominante de V. Exa., me ocorre que possa ser areias [cálculos] ou gota e, ainda para os defluxos, é preservativo e particular remédio, a congonha; pois eu padecia de dores causadas pelas inúmeras areias que hei lançado.
Há 2 anos que uso desta excelente erva [Gomes Freire se encontrava no Rio Grande, desde março de 1752]. Nos primeiros 15 dias que tomei o mate (aqui assim chamam a porção, que se toma pela manhã, na cuia), tive bastante incômodo. Entendi que foi pelo remédio [mate] as abalar e despegar. Continuei a lançá-las monstruosamente, diminuíram-se logo as dores dos rins e perdi as que me embaraçavam o movimento das pernas, ficando como se de tal queixa não houvesse padecido.
O mesmo efeito observei em muitas pessoas que, nestas Tropas, padeciam da mesma queixa.
Também a da gota, dela não há memória em pessoa que usa tomar desta bebida, a qual, neste País, tanto da parte dos Castelhanos, como da nossa, é hoje comum e geral. Sendo desterrados [eliminados] estes 2 achaques, louvam a virtude contra muitos outros [...]”.
Em uma outra carta, de 13 de dezembro de 1755, ainda no Rio Grande, Gomes Freire novamente se refere aos maravilhosos efeitos da erva congonha na cura das doenças de rins (cálculos) e gota; ocasião em que envia ao amigo Diogo de Mendonça, uma “Receita para a preparação do remédio da congonha”, documento que não conseguimos localizar.


____________________________________________
Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã.

Nenhum comentário: