sábado, 8 de janeiro de 2011

SILVA PAES E A PRIMEIRA MISSA CELEBRADA NO SOLO DO RIO GRANDE DE S. PEDRO


A. F. Monquelat
V. Marcolla

Há, na Biblioteca Nacional de Portugal, um manuscrito com 94 folhas, que é de lamentar ainda hoje estar com o “acesso restrito”.
Este manuscrito tem como título: Diário da viagem que fez ao Rio da Prata o Coronel Luiz de Abreu Prego no ano de 1736, com a esquadra que Sua Majestade mandou em defesa da grande Praça da Colônia do Sacramento. E por autor, Um curioso que foi na mesma esquadra. Tal manuscrito abrange os anos de 1736 a 1738.
Soubéssemos o conteúdo do manuscrito do anônimo “curioso”, talvez tivéssemos respostas a algumas indagações, que vêm nos inquietando no decorrer do nosso trabalho maior, que é O desbravamento do Sul e o povoamento de Pelotas.
Dentre estas, o que seja bastante provável – e são muitos os indícios – é que a fundação do Presídio de Jesus, Maria, José, no Porto do Rio Grande se deva ao fato de não ter sido possível estabelecer uma tal fortaleza no Porto de Maldonado, um dos objetivos da expedição de Silva Paes ao Rio da Prata.
Tivesse Maldonado as condições necessárias, ou Silva Paes tempo para contornar as adversidades lá encontradas, os domínios de Sua Majestade ficariam maiores e mais próximos da Colônia do Sacramento, cerne dos interesses econômicos da Coroa Portuguesa.
No entando, frustradas as tentativas de tomar Montevideo ou estabelecerem uma fortificação mais próxima da Colônia do Sacramento, tratou o Brigadeiro, depois de socorrer o Governador da Colônia com infantaria, de pôr em prática uma espécie de plano B, que era o desembarque no Porto do Rio Grande de São Pedro.
Saiu Silva Paes do Porto de Maldonado no dia dez de fevereiro de 1737, dia em que além de escrever ao Coronel Luís de Abreu Prego, nomeia o Padre Jeronimo Pereira, capelão das tropas, nos seguintes termos: “José da Silva Paes, brigadeiro da infantaria dos exércitos de Sua Majestade e comandante das tropas do Rio Grande de São Pedro, pelo mesmo Senhor: Como, para a celebração da missa, que se deve dizer à guarnição e povoadores do Rio Grande de São Pedro, como a Sua Majestade tem determinado, e se necessita de sacerdote de vida exemplar e bons costumes, nomeio o padre Jerônimo Pereira para capelão da dita guarnição e mais povoadores, e para lhes administrar os sacramentos, enquanto não chegarem os padres barbonios [a palavra correta é barboneos] ou o Ilustríssimo Bispo do Rio de Janeiro der providência, por concorrerem nele todos os requisistos sobreditos. E receberá de soldo seis mil réis por mês, com as mesmas obrigações que têm os capelães dos mais terços [antigo corpo de tropas; regimento]. Que o Comissário da Expedição lhe forme seu assento na primeira plana, na forma do estilo. Porto de Maldonado, 10 de fevereiro de 1737. Eu, Antônio de Noronha da Câmara, Comissário da Expedição, a subscrevi”.
Os padres barboneos aos quais Silva Paes se refere, eram dois frades capuchos (religiosos de uma das ordens de São Francisco, muito austeros na regra), que Sua Majestade havia enviado com a Expedição. Eram estes Frei Antonio de Perugia e Frei Anselmo Castelvetrano, com os quais Silva Paes e André Ribeiro Coutinho tiveram algumas desavenças ao ponto de instaurarem inquérito contra eles.
Bem, mas voltando ao dia dez de fevereiro, dia em que Silva Paes levantou âncoras e partiu de Maldonado com destino ao Rio Grande, e que, depois de seis dias de viagem, diz “descobri a Costa, em altura dos 32º e 32 minutos, que é a mesma em que se acha este Rio; [...]. Estive três dias esperando alguma aragem, que me pudesse fazer avançar para o desembarque da gente e dos demais que trazia, antes que entrasse algum tempo, que aqui são muito freqüentes, que nos obrigasse a largar a Costa”.
Ainda que neste documento em que Silva Paes nos informa ter descoberto a Costa, o qual é uma carta escrita pelo Brigadeiro a Gomes Freire de Andrada em 24 de fevereiro de 1737, não diga ele o dia do desembarque, é fácil concluir ter sido no dia 19 de fevereiro, dia em que Silva Paes nos conta ter estado “aflito e impaciente”, dadas as dificuldades que teve e dentre essas a perda de uma Sumaca.
Três semanas depois, 12 de março de 1737, em uma espécie de carta-relatório de Silva Paes para o governador Gomes Freire de Andrada, dentre as inúmeras notícias nos informa que, “O primeiro dia em que aqui se celebrou Missa, foi no dia 2 deste mês [março de 1737], e é a primeira vez que aqui a teve. Foi um Pai Nosso e dez Aves Maria José, a quem tenho muita devoção. E foi quem fez a função de retábulo [Obra de arquitetura, em mármore ou madeira, por detrás do altar, ao qual serve de ornamento, e de ordinário contém um quadro, representando algum assunto religioso, ou alusivo à religião. Qualquer quadro painel, etc.]”.
Prossegue Silva Paes manifestando que “Gostaria que tivesse esta Praça e nova Colônia a dita vocação de Jesus Maria José. E a da outra parte, a de São Pedro, por ser o Rio Grande de S. Pedro. Se V. Exa. assim o aprovar, as intitularei com estes Patronos. Para qualquer destas povoações, é preciso vigário, pois um só não pode acudir a ambas, sendo a outra parte de grande extensão, pelas estâncias que aqui se acham estabelecidas Rio acima, sendo algumas distantes da Laguna mais de 130 léguas, a quem não pode acudir aquele vigário de V. Exa. Confira com o Bispo, para que se lhe dê a providência de que se necessita”.
No que diz respeito ao aumento da populução informa ele que, “Quanto aos colonos, devem vir Cazaes das Ilhas, que são os mais próprios para esta terra, conforme S. Majestade tinha mandado dizer. E quanto antes vierem, bem como os [colonos] que evacuam a Colônia do Sacramento, melhor”.
Pede também Silva Paes que, “Caso para cá venham patachos [Embarcação de dois mastros, com vergas redondas e mastaréu de joanete no mastro da proa], é preciso mandar um ferro para hóstias [deve tratar-se do conjunto de utensílios para a feitura e conservação de hóstias], alguns barris de farinha do Reino para as sobreditas e para os doentes, algum açúcar e barris de mel, dos quais, dois se quer para mesinhas, alguns grãos de lentilhas, não somente para os doentes, mas também para semear, e algumas caixetas de marmelada”.
Um outro ato, registrado no Livro de Registros da Expedição do Rio Grande, praticado por Silva Paes, e que nos deixou bastante intrigados, foi o de ter o Brigadeiro, em 12 de julho de 1737, mandado o Tesoureiro da Expedição assistir às duas Igrejas, “que de novo se levantaram”, quais sejam: “a deste porto de Jesus-Maria-José e a do Estreito de Sant’Anna, com os ornamentos e mais trastes necessários para a sua decência, bem como todo o guisamento [Alfaias (adornos) de Igreja. Vinho e hóstias, para a Missa.] e cera que lhes for necessária, cuja despesa lhe fará o Comissário da mesma Expedição” (grifo nosso).
Grifamos, “que de novo se levantaram”, porque nos pareceu curioso o fato de poucos meses depois da chegada de Silva Paes e sua expedição, ter este, ao se referir às Igrejas, feito da forma como o fez; pois, para que algo se levante de novo, é preciso que estivesse antes de pé.

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã.

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