segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (19)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

Veiga Cabral, por sua vez, encaminhou ao secretário, D. Rodrigo de Souza Coutinho, os requerimentos assinados por cinquenta e oito suplicantes.
Dentre as já tão conhecidas reclamações, queixavam-se, também, de “incomparável prejuízo que têm sofrido e estão sofrendo com a permissão facultada aos espanhóis de navegarem do porto de Montevideo navios carregados de gêneros e efeitos de primeira necessidade, e aportarem no da Capital do Estado, cidade do Rio de Janeiro, aonde, despachando-os pela Alfândega, conseguem a descarga e venda dos produtos; bem como carregarem ali outros gêneros e escravos, que com eles retornam ao porto de Montevideo. E que, de cujos acontecimentos, segue de ficarem os Suplicantes com suas culturas de trigo, farinhas, charqueações de gados e couramas, efeitos que pela Barra desta Capitania, os podem transportar apenas para três portos do Brasil, que vem a ser o daquela cidade do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, nos quais, com a venda de seus produtos pagam os Suplicantes os respectivos direitos, fretes e seus credores. Portanto, pedem que se vete aos espanhóis a permissão de carregarem tecidos e escravos, estes para o aumento das culturas, e aqueles para os seus comércios e uso de suas famílias e obrigações; e que possam os Suplicantes voltarem conduzindo ao mesmo tempo o sal que necessitam para darem continuidade às suas charqueações e suprimento desta Capitania [...]”.
Encerravam o requerimento pedindo que fossem expressamente declaradas e ampliadas em seu inteiro vigor as leis procedentes e ordens promulgadas para não haver, no Brasil, comércio com nações estrangeiras e que também fosse vedada inteiramente a “exportação dos escravos para fora destes domínios, que tanto dano causa ao Estado e ao aumento da Agricultura”.
Tendo sido solicitado, por ordem de Sua Alteza Real, que o Vice-rei do Brasil informasse, com um cálculo aproximado, a quantidade anual de sal necessário para atender o consumo em sua Capitania e demais distritos de sua jurisdição, incluindo a Capitania do Rio Grande, tratou o Vice-rei de responder ao Ofício de 27 de agosto de 1799, enviado pelo secretário de estado da Marinha e Ultramar, D. Rodrigo de Souza Coutinho, dizendo que consultado o Administrador do Contrato, “pois ninguém poderia ter um individual conhecimento da extração, que este gênero costuma ter, tanto para os diferentes portos e distritos desta Capitania, como para as do Sertão e também a do Rio Grande, pode-se verificar no papel que incluso remeto a V. Exª., que são necessários cento e cinquenta e nove mil alqueires, levando-se em conta o que lembra o Administrador, a fim de não haver falta deste gênero”.
Aproveitando-nos do cálculo feito pelo administrador Luiz Antônio Ferreira, aos oito dias do mês de fevereiro de 1800, veremos o consumo de sal que anualmente alguns lugares do Brasil consumiam naquela época.
Diz o Contratador que “falando com o mais profundo respeito, ponho na presença de V. Exª., que se carece para as Minas, repartido pelos Corrieiros [ou correeiros: Oficiais, que fazem obras de couro, correias e outros arreios de cavalgar ou para bestas de carga], sessenta mil alqueires, para a Vila de Parati, trinta mil alqueires; para o Continente do Rio Grande, trinta mil alqueires [observe-se que o Rio Grande inteiro, consumia a mesma quantidade que a Vila de Parati]; para os demais portos que servem a esta Capital, vinte e cinco mil alqueires; para esta Cidade e seus recôncavos, quatorze mil alqueires, perfazendo, assim, o total de cento e cinquenta e nove mil alqueires de sal por ano, não levando em conta o aumento dos povos, e para não haver falta, é necessário que os navios que conduzirem o dito gênero da Europa tragam mais do que suas lotações, única forma de não haver falência em suprir as Capitanias; pois do contrário padecerão da falta, o que em outro tempo já aconteceu”.
Para finalizar esta primeira parte de nosso trabalho, que compreendeu os anos de 1780 a 1800, vejamos o que estava acontecendo com o bergantim Expedição, que desde setembro de 1799, pretendia trazer sal para o Continente.
Aos 19 dias do mês de julho de 1800, o oficial do Quartel-General do Porto, D. João Correia de Sá, informava por Ofício ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, ter recebido pelo expediente do dia 14 daquele mês, a determinação de que Sua Alteza Real, o Príncipe Regente, concedera para que o bergantim Expedição pudesse “fazer viagem deste Porto, para o Rio Grande de S. Pedro, sem dependência de comboio, indo competentemente armado, e com estado de se defender dos Corsários inimigos”.
A razão do bergantim Expedição, propriedade da Companhia de Carvalho, Silva e Ferreira, estar “competentemente armado”, deve-se ao fato de seus proprietários terem recebido permissão para terem a bordo 20 barris de pólvora para defesa da embarcação e tripulantes, bem como do restante da carga composta por 30 pipas de vinho e trezentos ou mais moios de sal, que pretendiam trazer para o Rio Grande.
Já melhor sorte não teve o Administrador do Contrato do Sal no Rio de Janeiro, pois, por ordem de D. Rodrigo de Souza Coutinho, foi o mesmo substituído por João Marcos Vieira, administrador do Contrato da Pesca das Baleias, apesar da defesa feita pelo Vice-rei, o Conde de Rezende, na qual informou que Luiz Antônio Ferreira, acusado de ladrão, fora vítima de uma rede de intrigas promovida por comerciantes que pretendiam, aproveitando-se da situação, monopolizarem o sal, o que levara o Vice-rei a tomar providências nomeando um juiz conservador acompanhado com guarda militar para presidir a distribuição do sal pelas populações.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 19 de dezembro de 2010.

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