domingo, 28 de novembro de 2010

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (16)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

Contudo, diz Rangel, as novas Ordens enviadas pelo Vice-rei bem como a chegada dele àquela Cidade, logo pôs os habitantes em diferente estado, e tomaram o negócio por mais sério e verídico.
Depois de relatar outros episódios, diz Rangel a certa altura que, “resta-me expor o que tenho visto e observado”.
Iniciava suas observações, dizendo ter avaliado as margens da Lagoa Areroana, seguindo as da Restinga e as de terra firme, por todas as suas pontas e enseadas, em 16 léguas; e que a metade daquela distância era, seguramente, ocupada para lugares próprios para Salinas, e que aqueles lugares eram chamados pelos habitantes de Apecus, e que se distinguiam dos demais terrenos “pela sua planície igual, e de nível com a superfície das águas da Lagoa”.
Quanto à divisão do sal, disse a forma com que ali se praticava a repartição de qualquer Salina que cristalizava, que era a seguinte: “Quando as águas principiavam a criar espelhos na superfície, mandava o Juiz Ordinário por sentinelas, e estas faziam aviso quando a cristalização estava feita; e, em consequência deste aviso, punham Editais para se fazer a repartição em dia determinado, no qual se achava presente o Juiz, os Camaristas e o Escrivão, que tomava nota do nome de todo o povo que ali se encontrava; depois disto, o Juiz mandava medir o comprimento da Salina em varas, e do total de varas se dividia pelo povo ali presente, que iniciava a colher o sal por sociedade nas suas datas; porém, esta bela ordem raramente se executava à vista, não deixando de haver muitas desonestas repartições”.
No entanto, os Oficiais da Câmara propunham um novo método de divisão e a essa nova proposição concordaram todos. Consistia no seguinte: repartir o Apecu, ou Salina, em datas de 5 até 10 ou mais braças de testada, atravessando a largura da Salina; e cada data era concedida a uns dois ou mais sócios, conforme as possibilidades de cada data, para que, dentro do espaço concedido, fabricassem seus tanques, cabendo-lhes cuidar da vigilância do que lhes pertencesse. Para Rangel, “este método me parece excelente, não só pela vigilância de cada um sobre o seu trabalho, como também pela quantidade de sal, que por maior facilidade, pode ser extraído no tempo próprio; pois, é bem certo que, quanto maior for o volume de água, maior é a dificuldade de haver penetração dos raios de sol e a evaporação mais dilatada, com o risco de perder-se pelas chuvas”. Acrescentou Rangel que a experiência havia mostrado aos habitantes envolvidos com as Salinas, que os charcos de pouca água eram os primeiros que se cristalizavam; e daí tinham tirado o conhecimento necessário para formarem os tanques.
As Salinas que Alexandre Inácio da Silveira havia reservado em nome de Sua Majestade

Da Ponta da Perina em direção à Cidade, em sentido mais ou menos Sudoeste, disse Rangel haver as seguintes Salinas: a da Ponta da Costa, com vários Apecus e charcos que a cercavam, compreendendo o grande Apecu, chamado do Vigário, e a do Milagre, com vários charcos na sua frente; a do Chiqueiro e a de Nossa Senhora, “todas estas reservadas por Alexandre Inácio da Silveira, debaixo do título de Salina de Sua Majestade e que, todas unidas, têm sem dúvida mais de uma légua em quadro; e destas, só tratarei das que achei com algum benefício feito pelo mesmo Alexandre Inácio: Na Salina do Chiqueiro, vi um tanque feito no terreno, que terá 100 passos de comprido, sobre doze de largo. E, entre este tanque e a margem da Lagoa Areroama, há outro, meio feito de tijolo, com 45 palmos em quadro, muito mal construído. Logo depois desta Salina, há um grande Apecu, que por ter em algumas partes o seu terreno inferior à superfície da grande Lagoa, conservam-se sempre com água, formando muitas lagoinhas, que se comunicam umas com as outras, por pequenos canais, até a Lagoa Areroama, onde tem barra aberta, que as está efetivamente partindo de águas frescas, que embaraçam a cristalização; e como estas lagoinhas só têm de fundo um palmo, pouco mais ou menos, quantidade suficiente para se poder cristalizar, mandou o dito Alexandre tapar com faxinas e areias os pequenos canais de comunicação para embaraçar a introdução das águas frescas. Este benefício, sem dúvida, deve produzir bom efeito na estação própria, e observei que algumas já tinham feito a precipitação do Salão, e que estavam com as águas um pouco grossas. Neste mesmo lugar, em um terreno mais alto, vi um armazém de pau a pique, por acabar, que mandou o mesmo Alexandre fazer, e que terá de comprimento 100 palmos, e 30 de largo.
Na Salina de Nossa Senhora, vi 6 tanques feitos no terreno de 20 passos em quadro, e foi neste lugar, onde Alexandre Inácio usou de uma roda de alcatruz [vaso de barro, que levanta a água nas noras. Nora: aparelho, para extrair água de poço ou cisternas, e cuja parte principal é uma roda que faz girar uma corda, a que estão presos alcatruzes], para lançar água da Lagoa Areroama para dentro dos tanques; porém, enchiam em um dia e no dia seguinte achava-os vazios, porque estavam com os seus fundos acima da superfície da Lagoa; e como o terreno é de qualidade já citada, infalivelmente as águas haviam de filtrar-se pela areia, para se equilibrarem com as da Lagoa”.
Prossegue Rangel o seu longo Relatório até que a certa altura informa ao Vice-rei que constando-lhe que Alexandre Inácio remetera dinheiro ao Capitão-mor Cipriano Luiz Pinheiro para dar continuidade ao trabalho nas Salinas, fora ter com o mesmo para saber quanto ele recebera, ao que foi informado pelo “dito Capitão-mor ter recebido tão somente cem mil réis; e que já despendera 65.680 réis, restando em seu poder 34.320 réis. O que comunico a V. Exª., para determinar o que for servido”.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 28 de novembro de 2010.

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