domingo, 28 de novembro de 2010

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (16)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

Contudo, diz Rangel, as novas Ordens enviadas pelo Vice-rei bem como a chegada dele àquela Cidade, logo pôs os habitantes em diferente estado, e tomaram o negócio por mais sério e verídico.
Depois de relatar outros episódios, diz Rangel a certa altura que, “resta-me expor o que tenho visto e observado”.
Iniciava suas observações, dizendo ter avaliado as margens da Lagoa Areroana, seguindo as da Restinga e as de terra firme, por todas as suas pontas e enseadas, em 16 léguas; e que a metade daquela distância era, seguramente, ocupada para lugares próprios para Salinas, e que aqueles lugares eram chamados pelos habitantes de Apecus, e que se distinguiam dos demais terrenos “pela sua planície igual, e de nível com a superfície das águas da Lagoa”.
Quanto à divisão do sal, disse a forma com que ali se praticava a repartição de qualquer Salina que cristalizava, que era a seguinte: “Quando as águas principiavam a criar espelhos na superfície, mandava o Juiz Ordinário por sentinelas, e estas faziam aviso quando a cristalização estava feita; e, em consequência deste aviso, punham Editais para se fazer a repartição em dia determinado, no qual se achava presente o Juiz, os Camaristas e o Escrivão, que tomava nota do nome de todo o povo que ali se encontrava; depois disto, o Juiz mandava medir o comprimento da Salina em varas, e do total de varas se dividia pelo povo ali presente, que iniciava a colher o sal por sociedade nas suas datas; porém, esta bela ordem raramente se executava à vista, não deixando de haver muitas desonestas repartições”.
No entanto, os Oficiais da Câmara propunham um novo método de divisão e a essa nova proposição concordaram todos. Consistia no seguinte: repartir o Apecu, ou Salina, em datas de 5 até 10 ou mais braças de testada, atravessando a largura da Salina; e cada data era concedida a uns dois ou mais sócios, conforme as possibilidades de cada data, para que, dentro do espaço concedido, fabricassem seus tanques, cabendo-lhes cuidar da vigilância do que lhes pertencesse. Para Rangel, “este método me parece excelente, não só pela vigilância de cada um sobre o seu trabalho, como também pela quantidade de sal, que por maior facilidade, pode ser extraído no tempo próprio; pois, é bem certo que, quanto maior for o volume de água, maior é a dificuldade de haver penetração dos raios de sol e a evaporação mais dilatada, com o risco de perder-se pelas chuvas”. Acrescentou Rangel que a experiência havia mostrado aos habitantes envolvidos com as Salinas, que os charcos de pouca água eram os primeiros que se cristalizavam; e daí tinham tirado o conhecimento necessário para formarem os tanques.
As Salinas que Alexandre Inácio da Silveira havia reservado em nome de Sua Majestade

Da Ponta da Perina em direção à Cidade, em sentido mais ou menos Sudoeste, disse Rangel haver as seguintes Salinas: a da Ponta da Costa, com vários Apecus e charcos que a cercavam, compreendendo o grande Apecu, chamado do Vigário, e a do Milagre, com vários charcos na sua frente; a do Chiqueiro e a de Nossa Senhora, “todas estas reservadas por Alexandre Inácio da Silveira, debaixo do título de Salina de Sua Majestade e que, todas unidas, têm sem dúvida mais de uma légua em quadro; e destas, só tratarei das que achei com algum benefício feito pelo mesmo Alexandre Inácio: Na Salina do Chiqueiro, vi um tanque feito no terreno, que terá 100 passos de comprido, sobre doze de largo. E, entre este tanque e a margem da Lagoa Areroama, há outro, meio feito de tijolo, com 45 palmos em quadro, muito mal construído. Logo depois desta Salina, há um grande Apecu, que por ter em algumas partes o seu terreno inferior à superfície da grande Lagoa, conservam-se sempre com água, formando muitas lagoinhas, que se comunicam umas com as outras, por pequenos canais, até a Lagoa Areroama, onde tem barra aberta, que as está efetivamente partindo de águas frescas, que embaraçam a cristalização; e como estas lagoinhas só têm de fundo um palmo, pouco mais ou menos, quantidade suficiente para se poder cristalizar, mandou o dito Alexandre tapar com faxinas e areias os pequenos canais de comunicação para embaraçar a introdução das águas frescas. Este benefício, sem dúvida, deve produzir bom efeito na estação própria, e observei que algumas já tinham feito a precipitação do Salão, e que estavam com as águas um pouco grossas. Neste mesmo lugar, em um terreno mais alto, vi um armazém de pau a pique, por acabar, que mandou o mesmo Alexandre fazer, e que terá de comprimento 100 palmos, e 30 de largo.
Na Salina de Nossa Senhora, vi 6 tanques feitos no terreno de 20 passos em quadro, e foi neste lugar, onde Alexandre Inácio usou de uma roda de alcatruz [vaso de barro, que levanta a água nas noras. Nora: aparelho, para extrair água de poço ou cisternas, e cuja parte principal é uma roda que faz girar uma corda, a que estão presos alcatruzes], para lançar água da Lagoa Areroama para dentro dos tanques; porém, enchiam em um dia e no dia seguinte achava-os vazios, porque estavam com os seus fundos acima da superfície da Lagoa; e como o terreno é de qualidade já citada, infalivelmente as águas haviam de filtrar-se pela areia, para se equilibrarem com as da Lagoa”.
Prossegue Rangel o seu longo Relatório até que a certa altura informa ao Vice-rei que constando-lhe que Alexandre Inácio remetera dinheiro ao Capitão-mor Cipriano Luiz Pinheiro para dar continuidade ao trabalho nas Salinas, fora ter com o mesmo para saber quanto ele recebera, ao que foi informado pelo “dito Capitão-mor ter recebido tão somente cem mil réis; e que já despendera 65.680 réis, restando em seu poder 34.320 réis. O que comunico a V. Exª., para determinar o que for servido”.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 28 de novembro de 2010.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (15)*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

O Edital (de 06.10.1798)

“O Juiz Presidente, Vereadores e Procurador do Senado da Câmara desta cidade de Nossa Senhora da Assunção de Cabo Frio, que servimos até o presente ano por eleição, na forma da Lei, etc.: Fazemos saber a todos os moradores desta Cidade e seu distrito que, para o bem de darmos execução às Ordens do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde, Vice-rei, que nos foi dirigida a respeito da continuação e benefício das Salinas, se nos foi preciso determinar o seguinte: Que as Salinas deste Continente ficam francas ao Povo; o qual, querendo beneficiá-las o poderão fazer nos lugares que por esta Câmara lhes for assinalado [determinado, demarcado, indicado]. Que para S. Majestade não será reservado Salina alguma, nem tampouco para pessoas que não sejam deste Distrito; que as Salinas, chamadas do Chiqueiro e da Costa ficam reservadas para a pobreza, sendo estas, por ela beneficiadas; que não entrarão no rol da pobreza, aquelas pessoas que tiverem escravos, ou algum estabelecimento; que o pobre poderá requerer sua data [terreno] para nela trabalhar, e essa lhe será concedida; que aquelas pessoas deste Distrito, a quem lhe for concedido data, as poderão beneficiar, e os que não as têm, as poderão requerer; que todo aquele que perturbar as bem intencionadas Ordens, dirigidas pelo mesmo Excelentíssimo Senhor em benefício do Povo deste Distrito, será condenado em seis mil réis para as despesas desta Câmara, e em trinta dias de cadeia, além de serem remetidas ao mesmo Excelentíssimo Senhor; que todas aquelas pessoas que receberem as Salinas e usurparem o sal, tanto dos particulares como das reservadas à pobreza, serão punidas com as mesmas penas acima declaradas, e o direito reservado ao Senhorio da mesma para proceder contra os delinquentes, como usurpadores da fazenda alheia; que a todos aqueles que for concedido datas de Salinas, as deverão beneficiar no prazo de seis meses, e não o fazendo no referido tempo, serão dadas a outros que pedirem os mencionados lugares, e a esses os serão concedidos.
E para que chegue ao conhecimento de todos e não aleguem desconhecer, mandamos fazer quatro Editais destes, que serão publicados e afixados nos lugares públicos e Registrado no Livro competente.
Dado e passado sob nossos sinais em Câmara de seis de outubro de 1798; e eu Antônio Gonçalves Freire, Escrivão da Câmara, que o subscrevi. Barreto – Santos – Couto e Lopes”.
A razão de darmos ênfase às Salinas de Cabo Frio e seus desdobramentos, aparentemente sem maior relevância neste nosso trabalho, deve-se a vários motivos, dentre os quais, com elas ter-se envolvido Alexandre Inácio da Silveira. A esta, podemos acrescentar ainda o corpo do Edital da Câmara de Cabo Frio, que não há dúvida alguma ter um caráter de Código de Posturas; bem como, através dele, podemos ter uma ideia do estado de pobreza de um indivíduo na época, qual seja, o de não ter escravo. E, por último, é por meio dos episódios de Cabo Frio que acaba o monopólio do sal no Brasil.
Portanto, se a uns parece enfadonho longas reproduções de documentos históricos; outros o saberão apreciar, e daí extraírem algum proveito.
 A correspondência da Câmara ao Vice-rei, e as reservas de Salinas feitas por Alexandre Inácio da Silveira

Aos dezessete dias do mês de outubro de 1798 a Câmara de Cabo Frio, representada por Sebastião Leandro dos Santos, Marciano Nogueira Lopes, Matias da Costa Barreto e Luiz Lopes Couto, enviou uma carta ao Vice-rei, comunicando-lhe que em virtude da Carta a eles enviada em vinte e quatro de abril do mesmo ano, havia chegado àquela Cidade o Capitão Graduado José Correa Rangel e que, em virtude disso, haviam feito uma sessão na Câmara, com o intuito de ajustarem os termos para que fosse dado continuidade no benefício e cultura das Salinas, “conforme V. Exª. nos determina”.
Disseram, também, que em conformidade com a determinação, assentaram de darem as datas de Salinas, àquelas pessoas que as pedissem, e que estivessem de acordo com o Edital, “que anexo remetemos a V. Exª.”, o que cumpririam fazendo todo o possível para que o benefício das Salinas progredisse.
Com relação aos terrenos, “que Alexandre Inácio da Silveira beneficiou em nome de Sua Majestade e que, com a sua retirada, deixou este povo, em parte, esmorecido e frouxo, ficam estes aguardando determinação de V. Exª. quanto ao que deles ser feito”.

Uma outra Carta de Felicíssimo José Victorino de Souza (datada de Cabo Frio aos dezenove de outubro de 1798)

Nesta nova Carta, disse Felicíssimo ao Vice-rei que com a retirada de Alexandre Inácio, havia corrido por aquele Distrito uma notícia de que Alexandre Inácio fabricara alguns tanques de Salinas em sociedade com o Capitão Brás Carneiro Leão, boato este que ele não conseguira apurar; porém, “esta notícia desanimou a todos os que cuidavam dessas Salinas e que já as tinham abandonado; mas agora, animados pela proteção de V. Exª., retomaram-nas com muito fervor”.

Carta-relatório do Capitão graduado com exercício de Engenheiro, José Rangel de Bulhões (datada de Cabo Frio em 23 de outubro de 1798)

Iniciava Rangel a carta-relatório informando ao Vice-rei sua chegada e o encontro, na Câmara, com o Juiz e demais Oficiais desta. A seguir, diz ter inquirido os habitantes do Distrito sobre o motivo que os levou a desanimarem do trabalho que tinham iniciado a fazer nas datas de Salinas, que lhes haviam sido concedidas, e que lhe pareceu ser constante, que da conduta de Alexandre Inácio da Silveira nascera toda a desconfiança dos que estavam trabalhando, bem como a dos que estavam determinados a fazê-lo. Quanto a Alexandre, diz Rangel que, tão logo ali chegou, começou a reservar os lugares de melhores Salinas, e mais próximos da Cidade, para Sua Majestade; e que em seguida, nelas começou a trabalhar, usando os escravos do capitão Brás Carneiro Leão, do qual diziam ter recebido 12 contos de réis, a título de interessado naquele trabalho. Também informou que, além dos escravos de Brás Carneiro, outros escravos e índios foram pagos por Alexandre. E que constava aos habitantes, que nas Ordens dirigidas pelo Vice-rei não falavam sobre reservas de Salinas para S. Majestade e nem tampouco para se admitirem pessoas de fora daquele Distrito, e que tais procedimentos os levaram a desconfiar, somando-se, ainda, a existência do Contrato, “pelo que se persuadiram todos por tratar-se de um projeto fantástico [fantasioso] e não verdadeiro, acabando de os desanimar a ausência imprevista de Alexandre Inácio”.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 21 de novembro de 2010.

domingo, 14 de novembro de 2010

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (14)*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

O homem desaparecido, segundo palavras do Vice-rei do Brasil, estava de volta à Corte, onde peticionou à Rainha, dizendo lhe que sendo autorizada a inspeção nas Salinas de Cabo Frio, no intuito de saber qual dos sais do país era mais apropriado e útil à Real Fazenda na salga das carnes do Rio Grande, e que tendo desempenhado sua missão com toda a atividade e zelo, fazendo aprontar e ensinando a preparar os tanques “para este importante fabrico”, portou-se ao mesmo tempo “com a maior suavidade com os povos, e sem os vexar de modo algum”. E que de todas as suas ações tinha dado conta a Sua Majestade através da Secretaria de Estado dos Negócios Ultramarinos.
Disse, ainda, Alexandre que não obstante os bons serviços, “é infeliz em um requerimento que fez a V. Majestade, porque, tendo-se queixado das violências que tinha sofrido”, fato de que ela estava a par, informada que fora da verdade pelo Vice-rei do Brasil, e que, apesar disso, Sua Majestade havia despachado que os papéis fossem remetidos ao Conselho Ultramarino para que este, depois de ouvidas as partes, desse o seu parecer.
Não satisfeito com a decisão tomada pela Rainha, pois entendia ele que a “verdade do negócio” já era conhecida pela informação do Vice-rei, que havia procedido às mais exatas e verídicas averiguações, portanto, entendia Alexandre, que aquele procedimento determinado pela Rainha só serviria para que houvesse uma demora na decisão, o que por sua vez, considerando as distâncias, seria uma nova violência contra o Suplicante, dado o dilatado tempo que decorreria.
Alexandre encerrava a petição recorrendo a Sua Majestade para que, “declarando o Aviso incluso, se digne determinar ao Conselho o ponto da Audiência das partes, para que, achando o mesmo Tribunal necessário que sejam ouvidas as partes, as mande ouvir; e achando que o foram, ou que para a decisão não é necessária a Audiência, decida sem esta”.
A petição de Alexandre foi recusada. Daí o vermos requerendo que lhe fosse passado por Certidão o teor do Aviso que, a seu favor, o Conselho Ultramarino havia despachado.
O teor do Aviso solicitado por Alexandre é o seguinte: “Para o Conde de Rezende: Ilmº e Exmº Sr., Sua Majestade manda remeter ao Conselho Ultramarino a informação inclusa, de nº 116, do Vice-rei do Estado do Brasil, sobre a queixa que fez Alexandre Inácio da Silveira, para que o mesmo Conselho, procedendo o exame deste negócio, e ouvida as partes interessadas, decida com efeito o que parecer”.
Este Aviso havia sido enviado ao Vice-rei por Dom Rodrigo de Souza Coutinho, em 19 de setembro de 1798.

As opiniões do Vice-rei sobre Alexandre Inácio da Silveira, e as atitudes tomadas quanto às Salinas de Cabo Frio
Em ofício dirigido a D. Rodrigo de Souza Coutinho, informou o Conde de Rezende que em virtude do ofício de 28 de abril de 1798, havia tomado a liberdade de ordenar ao Coronel de Milícias de Cabo Frio, que de comum acordo com a Câmara daquele Distrito, convencessem os moradores a beneficiarem as Salinas, “que com larga mão lhes oferece a Natureza, e até agora deixadas em desprezo pela proibição que há, de fazerem o comércio do sal, utilizando-se escassamente daquele, que sem cultura alguma se produzia”.
Participou, também, que antes desta sua deliberação tinha atendido todas as providências requeridas por Alexandre Inácio da Silveira, a fim de dar conta das diligências que a Corte lhe havia incumbido; “mas, este homem volúvel, e sem crédito nesta Praça, coisa nenhuma fez em Cabo Frio, respectiva à sua incumbência e benefício daquele povo, o qual, animado por suas promessas, logo tratou de beneficiar as Salinas, que, em seguida, também ficaram no antigo estado, assim que ele, dali, inopinadamente, se retirou sem ao menos me participar o motivo desta sua não esperada resolução”.
Prossegue o Vice-rei acrescentando que além do peso daquelas razões, e em especial a grande falta de sal que se fazia sentir em sua Capitania e outras mais, enviara um Oficial engenheiro a Cabo Frio para que pusesse em prática as determinações ajustadas entre a Câmara e o Coronel do Distrito para que promovessem a “cultura das Salinas, incumbindo-se particularmente da distribuição do terreno entre os que se dispusessem a beneficiá-las”.
Encerrando o Ofício, informava ter recebido cartas do Oficial Engenheiro e cópia do Edital que haviam mandado fixar nos lugares públicos da cidade de Cabo Frio, e que os estava enviando, em forma de cópias, para que “V. Exª. tenha individual conhecimento de tudo quanto se tem praticado a este respeito, e persuadido de que estas minhas diligências, nascidas unicamente do desejo de precaver a ruína destes povos, e ainda o atraso da Fazenda Real, não poderão ser eficazes sem a aprovação de S. Majestade, o que será em benefício comum de todo o Estado”.
Anexos ao Ofício do Vice-rei, datado de 28 de outubro de 1798, estavam os documentos citados, com os seguintes teores:

Carta de Felicíssimo José Victorino de Souza (datada de Cabo Frio em 27.09.1798)

“[...], logo que cheguei a este Distrito, não perdi tempo em avistar-me com a Câmara, para dar execução à Ordem que V. Exª. foi servido dirigir-me em 24 de abril do presente ano; e no dia 26 do corrente mês me achei na Câmara desta Cidade, estando presentes o Juiz, Camaristas [vereadores] e o Engenheiro José Correa Rangel, e na mesma ocasião acertei com a Câmara em limpar-se as Salinas, na forma que se havia combinado na última vez em que tratamos sobre este assunto; com a única diferença de se reservar duas ou três Salinas para o povo pobre; e outrossim, não ter parte [direito] nestas Salinas, pessoa que não seja deste Distrito [...]”.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 14 de novembro de 2010.

domingo, 7 de novembro de 2010

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (13)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

O Conde de Rezende, Alexandre Inácio da Silveira e as Salinas de Cabo Frio


Retornando ao palco um dos nossos principais personagens, Alexandre Inácio da Silveira, um nome a quem o charque e o Continente de São Pedro devem, e muito da sua história no primeiro período (1780-1800), vamos encontrá-lo, ou pelo menos o rastro dele, desta vez em Cabo Frio, distrito do Rio de Janeiro; sendo que agora, quem dele nos dá notícias é o conde de Rezende através do Ofício dirigido ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, D. Rodrigo de Souza Coutinho, aos vinte e oito dias do mês de abril de 1798.
Em tal ofício, o vice-rei do Estado do Brasil, D. José Luís de Castro, conde de Rezende, informa que em Ofício de 31 de outubro, respondendo ao Sr. Luiz Pinto de Souza sobre o Aviso de 7 de maio do mesmo ano, em que era comunicado sobre as medidas que Sua Majestade se dignava tomar em benefício deste vastíssimo Estado e suas Colônias, persuadida de que os seus atrasos não tiveram outra origem do que o concurso de pesados monopólios, exercidos na série de dilatados anos, assim como o do sal, o dos direitos do ferro e o da introdução de escravos, além de outras restrições fiscais, não menos prejudiciais ao interesse comum. E sendo a mesma Senhora, servida de ordenar, no citado Ofício, que logo se fizesse abolir o Contrato do primeiro gênero (o sal), e ficassem livres todas as Salinas que se pudessem estabelecer nesta Capitania, em benefício dos Colonos; substituindo-se, em benefício desta franqueza e benefício, uma leve imposição neste ou em outro qualquer gênero, por cujo meio ficasse ressarcido o Real Erário.
Tratando inicialmente do primeiro Artigo, disse o conde de Rezende, que, no seu sobredito Ofício, havia dado parte de ter convocado as Câmaras para ouvi-las. E, na conformidade dos seus pareceres, assentar naquilo que fosse mais conveniente ao serviço de Sua Majestade e ao bem público. E, a partir de suas respostas sobre aquele e outros artigos, com todas as demais diligências feitas em um negócio tão sério, se persuadiu de que, chegando a Real presença de Sua Majestade, desse início naquele incomparável benefício prometido aos habitantes da Capitania; mas, ignorando os motivos do atraso experimentado, servia-se daquele princípio para justificar a deliberação que acabara de tomar.
Em seguida, diz o Conde que chegando àquela Cidade Alexandre Inácio da Silveira, encarregado pela Corte de fazer algumas remessas de carnes do Rio Grande de São Pedro, com amostras de carnes, salgadas com diferentes sais, e tendo recebido alguma porção na Bahia e outra em Pernambuco, vindas do mesmo Rio Grande, pretendeu “o meu favor, para o bom êxito da sua missão”, no sentido de promover as Salinas de Cabo Frio; pois, com aquele socorro, poderia satisfazer as diligências em que estava empenhado com a Corte.
Tendo o Conde percebido, por um lado, a importância de um negócio tão recomendado pela Corte; e por outro, a conveniência que resultaria aos moradores de Cabo Frio, caso fosse estimulada a produção de sal, na qual, entendia o Conde, tivessem eles inegável direito, por isso, empenhou-se o quanto pode para que não frustrasse uma missão tão importante.
Porém, informa o Conde, que tendo desaparecido “aquele homem”, (Alexandre Inácio), sem lhe participar os resultados que havia obtido nas Salinas, considerou a cultura do sal na mesma inércia em que se encontrava, e também no mesmo estado se conservavam as medidas tomadas para o estabelecimento das Salinas em geral, até que começaram a sentir naquela Capitania, e, por consequência, em todas as outras confinantes, “uma carestia de Sal; ou seja, pelas módicas remessas, que dessa Corte o Contratador tem feito, ou seja pela falta de embarcações para o transporte; ou, finalmente, por não terem chegado a esta Cidade alguns navios em que venha maior abundância, como dizem ser o Fossa Lamas, cujo destino até o presente se ignora”.
Por todos aqueles motivos, deixava ele à consideração do Secretário, a avaliação dos gravíssimos danos que padeciam todos os povos, em virtude de “uma falta tão sensível”; não só pelo que diz respeito ao alimento e ao Comércio, mas também à produção e sobrevivência dos gados, pois que sem uma ração de sal não os podiam manter, principalmente nos lugares distantes da costa do mar.
Acrescentou, ainda, que os clamores ouvidos em todas as partes, somados ao receio de que no futuro se fizesse presente uma maior necessidade; ou que, por algum outro acontecimento interrompesse “o giro do atual comércio, o que talvez obrigue providências que, por não serem tomadas com antecipação, não remedeiem os danos já experimentados”.
Diante disso, disse ter se visto na necessidade de mandar cuidar da cultura do sal em Cabo Frio, escrevendo à Câmara e ao Coronel de Milícias daquele Distrito, para que, de comum acordo, convidassem os habitantes a beneficiarem as Salinas, esperançados na extração do que deveria ser um gênero de suma necessidade.
Ao mesmo Distrito, disse ter enviado dois Oficiais de conhecida capacidade e inteligência, sendo um para tratar das Salinas e distribuição do terreno; e outro, para executar tudo o que lhe havia sido ordenado àquele respeito. E que para tal, empregassem todo o tempo que se fizesse necessário ao que tinham ido fazer naquele lugar.
Entendia o Conde que aquele projeto, cuja finalidade era socorrer todas as Capitanias caso o sal viesse a ser extraído em abundância e continuassem a falta das remessas do Contrato, não só deveriam justificar ao Secretário, considerando as razões da gravíssima necessidade e possível ruína dos povos, mas atenderia a exposição feita no início de seu ofício quanto às medidas que já estavam tomadas na Real consideração de Sua Majestade para mandar abolir o Contrato do Sal, e permitir que Alexandre Inácio da Silveira fizesse experiências nas diversas Salinas do país; pois de tais disposições, ficava-lhe lugar para inferir que não seria contra as “pias intenções da mesma Senhora”, que se pusesse em prática uma providência que viesse a atalhar grandes males, sem levar em conta aqueles que o levavam a pensar na abolição do Contrato e o que viria a acontecer se não houvesse uma abundância de sal no país, que correspondesse ao grande e atual consumo, no ato da extinção do Contrato.
Esperando “que V. Exª., persuadido das minhas intenções, as faça chegar a Real presença de Sua Majestade, para que mereça aprovação a minha interina providência, e que sirva de ocasião para se pôr em execução o que se tem premeditado sobre este objeto”.

Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 07 de novembro de 2010.

APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DO CHARQUE NO CONTINENTE DE SÃO PEDRO (12)*



A. F. Monquelat
V. Marcolla

Charque, charqueadas e charqueadores


Feito o comentário sobre o sal do Prata, voltamos ao Continente de São Pedro, onde novamente vamos encontrar os vassalos de Sua Majestade a representar, desta vez, contra o Contratador de Tabaco, Manoel Joaquim Ribeiro, que estava taxando as carnes salgadas que os suplicantes conduziam à Bahia.
Na Representação feita, após uma delongada introdução, diziam que passavam brevemente por “estas coisas tão sabidas e patentes à alta compreensão” de Sua Majestade, mas que não podiam e nem deviam omitir que o fomento dado à exportação das carnes salgadas do Rio Grande para aquela Praça, e as demais do Continente, em que se empregavam mais de 140 Sumacas, “de muitas mil arrobas, que têm feito baratear, pelo seu concurso [afluência], a subsistência dos pobres escravos”. Do que resultava a ampliação da cultura do tabaco e do açúcar, cujos fazendeiros, animados pelo baixo preço das carnes, quase que único alimento dos cativos, cada dia se multiplicavam e prosperavam em função da diminuição dos custos da manutenção de seus escravos, que anteriormente eram forçados à suma injúria e iniquidade de faltarem “àqueles desgraçados com o sustento, não só abundante, se não, às vezes necessário”, servindo tudo para que o Régio Erário percebesse tão crescentes vantagens e não menores no Rio Grande, onde, além do dízimo que se pagava do gado “em pé”, havia ainda o bem conhecido tributo do Quinto dos Couros, que era de “cada cinco, um”. Ou seja, vinte por cento.
A seguir, apelavam no sentido de quais motivos haveria para o “pio e maternal afeto de Sua Majestade, [para o] amor que professa aos seus fiéis vassalos” como o de vê-los multiplicarem prosperamente, acrescentando nas suas felicidades e nas de suas famílias, a sólida grandeza do Estado, e ver “a mais horrível injustiça com que se esfaima [o mesmo que esfomear] a infeliz escravidão, desviada das tristes e desconfortadas choças, que mal abrigam a nudez da fraqueza, contra as injúrias da Natureza e dos homens”.
Prosseguindo, pediam que não fosse considerado como hipérbole o que antes haviam dito; mas, grande parte da Costa e do Sertão do Brasil padecia há seis ou sete meses da falta de carnes; pois, devido às chuvas e inundações do inverno ou pelas secas do estio, impedia que as boiadas descessem para aqueles lugares. E, portanto, “as carnes curadas [o mesmo que salgadas] eram o único alimento dos pobres, mesmo os das cidades” e em todo o ano, as são para a escravatura nas ditas povoações, por mais baixo preço e por indispensável necessidade aos Engenhos afastados da “borda da água [interior] aos quais não chega gênero algum de pescado, geralmente caro, onde o há”.
Acrescentavam, a isto, não haver naquelas paragens, por falta de indústria, pela natureza dos terrenos e pela incompatibilidade dos serviços, abundância de grãos, farinhas, raízes, legumes, hortaliças ou frutos, que ajudassem na manutenção e que, portanto, eram as causas que concorriam para a grande mortandade, dia a dia, dos escravizados, “com lástima da Humanidade, tanta perda aos particulares e ao Estado”.
Os Suplicantes, entre os quais José Pinto Martins, encerravam a Representação, esperançosos de que Sua Majestade pusesse fim aos danos, opressões e vexames que acabavam de expor, ocasionados pelo Contratador de Tabaco.
Neste ponto, entendemos necessárias duas observações: a primeira, é a de que o sal utilizado nas charqueadas rio-grandenses não vinha de Cádiz; assim como, baseados em Alexandre Inácio da Silveira, o sal oriundo da Europa, mais precisamente de Portugal, “estava provado por experiência observada” não ser o melhor para a conservação das carnes.
A segunda observação diz respeito ao consumo de charque que, até então, tínhamos como alimento de consumo nas embarcações portuguesas e de escravos, tanto aqui quanto nos países do prata. Entre estes últimos sabemos que, além dos escravos, era também consumido a bordo das embarcações, tanto privadas quanto nas da real armada espanhola. Já no Brasil podemos, conforme depoimento dos suplicantes da representação acima transcrita, acrescentar o uso das “carnes curadas como alimento dos pobres, mesmo os das cidades”.
Durante o ano de 1797, nova súplica foi encaminhada à rainha. Diziam os vassalos que há quatro anos sucessivos, em uma contínua falta e absoluta carência de sal, o dilatado país dos Suplicantes, além dos incômodos a que os têm condenado a privação de um artigo tornado de primeira necessidade no uso da vida, iam eles, os povos de Sua Majestade, sofrendo a vexação e incalculável perdas por não poderem matar os seus gados, pelo fato de lhes faltar sal para salgarem as carnes. Em vista disto, diziam ainda os Suplicantes que as reses que habitualmente eram abatidas com quatro anos de idade, se encontravam com cerca de dez anos, o que resultava em prejuízo de todos. Finalizavam pedindo a graça de poderem importar para o Continente seiscentos moios de sal por ano, a contar inclusive do ano do pedido. Dentre os signatários suplicantes estava, e por primeira vez, o nome de uma mulher: Dona Isabel Francisca da Silveira (viúva do capitão-mor Bento Manoel da Rocha).
O que bem ilustra a total carência de sal é o fato de ter sido o capitão do Bergantim Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio e Almas, quem salgou a carne das 20 barricas transportadas na viagem de volta a Lisboa, usando para isso o salitre que havia a bordo. Este episódio, conforme ofício de 12 de dezembro de 1797, assinado por Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, ocorreu em Rio Grande. Tal situação, a pedido do intendente-geral da Polícia, Diogo Inácio de Pina Manique, foi levada ao conhecimento do secretário de estado da Marinha e Ultramar, D. Rodrigo de Souza Coutinho, através de audiência em Lisboa.
Neste mesmo dezembro de 1797, foi pedido a José de Saldanha, pelo governo da capitania, dentre outras experiências, a do Nitro, ou Salitre artificial, caso não houvesse o natural. Tal encargo originou a Memória Sobre o Sal de Glauber, que José de Saldanha conclui em 10 de março de 1798 na cidade de Rio Pardo.
Saldanha, logo no início de seu trabalho, diz que “[...], lembrei-me de uma particular Mina de terras Salinas, que eu tinha encontrado, havia seis anos, em um dos meus freqüentes giros pelos vastos campos desta fronteira do Rio Pardo. E posto que, já há mais tempo, as quisesse analisar quimicamente, contudo, ou por falta de sossego e proporções, ou por julgar que estariam impregnadas do Sal comum, como se supunha vulgarmente, ficaram até aqui, em esquecimento.
Na atual conjuntura, quando se me apresentou uma porção de 35 libras das referidas terras e seus torrões, lexiviei parte com água pura e obtive da cristalização, por meio do repouso e frio, uns cristais em figuras de lâminas de quatro lados, alguns, terminados em prismas e inclinados, o que não me levou a despersuadir que seriam os Cristais do Nitro impuro; pois que, Valério, na sua Mineralogia, assim os nota. Porém, logo que vi, que expostos ao ar seco, se reduziam a farinha, a maneira de polvilho, transformando-se em um sabor salgado quente, o salgado que antes tinham. Aí, mudei de ideia e entrei a analisar tanto os cristais que havia conseguido, como as próprias terras Salinas. E na segunda experiência, principiei a conjecturar ser este o verdadeiro Sal mirabile Glauberi – vulgarmente denominado Sal de Glauber, ou Sal admirável” (grifos nossos).
E segue Saldanha descrevendo suas experiências nas nove páginas manuscritas: “O Sal de Glauber, extraído da fonte salgada do lugar denominado Epson, cinco léguas distante de Londres. Ou ser o intitulado Sal de Sedlitz, ou o que se extrai das Lagoas Salgadas de França; porém, de nenhuma sorte, o que se recolhe em Schot das Salinas de Lorraine e Franche-Conte, porque esse é muito puro, e o mais legítimo; talvez igual ao que acabamos de descobrir nesta província americana, sobre o qual nada mais tem que discernir o meu limitado engenho”. Mesmo assim, a descoberta de Saldanha não resolveu o problema do sal na Capitania de São Pedro.


Continua...

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Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.
Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 31 de outubro de 2010.