segunda-feira, 9 de agosto de 2010

ALEXANDRE INÁCIO DA SILVEIRA, UM AVENTUREIRO DO PAMPA*


A. F. Monquelat
V. Marcolla

Antes de iniciarmos uma nova série de artigos aqui no DM, série esta que titulamos sob o nome de Apontamentos para uma história do charque no Continente de São Pedro, queremos, por indispensável, apresentar ao leitor um personagem, ao qual, dada sua importância, qualquer história do charque, caso venha a ser escrita, não poderá deixar de citá-lo e a ele dedicar algumas de suas páginas, destacando, nessas, a importância desta figura que foi uma mescla de empreendedor-aventureiro ou aventureiro-empreendedor. Estamos nos referindo a Alexandre Inácio da Silveira.
Quando nos propusemos materializar os Apontamentos, os documentos que tínhamos e outros, que a eles se foram juntando, não haviam, até então, sido lidos, paleografados (em ortografia e pontuação atualizadas) e, tampouco, dispostos em ordem cronológica; portanto, não fazíamos a menor idéia do conteúdo e nem do quanto havia sobre esta figura em nossas mãos.
Feito, o que antes feito não estava, decidimo-nos por dispor nossos apontamentos sobre a história do charque no Continente de São Pedro, em dois períodos. O primeiro deles abrangendo os anos de 1780 a 1800; o segundo, de 1800 a 1845.
A razão, ou razões para tal, serão encontradas quando da publicação do próximo artigo. O primeiro da série, que a este sucederá; pois neste é de Alexandre Inácio da Silveira, que vamos falar.
Nascido na Vila do Rio Grande de São Pedro, por volta do ano de 1760, era filho de Mateus Inácio da Silveira, natural da Freguesia de Nossa Senhora das Angústias (Ilha do Faiol); e de Maria Antônia da Silveira, natural da Freguesia de São Salvador (Ilha do Faiol), que, por sua vez, era filha do alferes Antônio Furtado de Mendonça e de Isabel Francisca da Silveira, mulher do capitão-mor Manoel Bento da Rocha.
Aqui aproveitamos para deixar esclarecido o nome completo de Dona Isabel: Isabel Francisca da Silveira, tia de Alexandre, e não apenas Isabel Silveira, como se supunha; bem como o nome dos pais de Isabel, o que não se tinha certeza: Antônio Furtado de Mendonça e Isabel da Silveira.
Em julho de 1796, solicitou à Rainha o posto de Capitão-mor das Ordenaças, que vagara – conforme suas palavras – por falecimento de seu tio, Manoel Bento da Rocha.
Na solicitação, que lhe foi negada, Alexandre disse ser Ajudante das Ordenanças da Capitania do Rio Grande, e anexou também vários documentos, dentre os quais, um Atestado assinado por Joaquim dos Santos Cassão, Capitão-tenente das Naus da Armada Real e Comandante das fragatas de Sua Majestade, Mãe de Deus, São José e Belona, em cujo teor informava que ele, Alexandre Inácio da Silveira, exercera as funções de Voluntário Exercitante, Sargento de Mar e Guerra e a de Oficial do Detalhe, na fragata Belona até o dia 10 de janeiro de 1779, data em que desembarcou na cidade de Rio Grande.
Já, em requerimento de 17 de julho de 1801, no qual solicitou à Coroa a devolução dos documentos que anexara no pedido de 1796, se dizia Capitão de Fragata, graduado na Real Armada.
Vimos que Alexandre desembarcou em Rio Grande no ano de 1779; portanto, com a aproximada idade de 19 anos, pouco mais ou menos. Não sabemos quais foram suas atividades após o desembarque; mas, em 1º de setembro de 1793, vamos encontrá-lo em Lisboa, na condição de Procurador da Câmara e dos moradores da Capitania do Rio Grande do Sul, peticionando à Rainha. Na Petição encaminhada, disse estar na Corte há mais de dezoito meses e até então não conseguira embarcar para os portos do Rio Grande e Santa Catarina, apesar do Real Aviso de 13 de agosto, com os seguintes gêneros: tecidos, vinho, vinagre, azeite, alcatrão, peixe e dois mil moios de sal.
Dois mil moios de sal era o equivalente a 1.656 toneladas deste produto, sem o qual não haveria carnes salgadas e tampouco estaríamos dando tanta ênfase no nome de Alexandre Inácio da Silveira, considerando-o, quem sabe, o homem mais importante dos primórdios da indústria do charque no Continente de São Pedro.
Alexandre, é bem possível, que tenha passado pelo menos dez anos de sua vida, rocambolescamente envolvido e tenazmente disposto a resolver o problema do sal para a salga das carnes do Continente.
Tendo peticionado em 1º de setembro de 1793, dizendo já estar na Corte há dezoito meses, isto nos leva aos primeiros dias de março de 1792, que é a data de sua chegada em Lisboa. Desta data até o Real Aviso de 13 de agosto de 1795, no qual Sua Majestade é servida Ordenar que se mande passar as necessárias licenças para que o “Suplicante, em seu nome ou em nome de seu representante nesta Corte, Antônio José Batista de Sales, possam transportar, para o Rio Grande e Santa Catarina, todo o sal que pretendem extrair e cujos despachos requereram na Mesa competente, visto que a referida extração [de sal] em nada se opõe às cláusulas do respectivo Contrato [...]”; haviam decorrido três anos.
O Contrato citado no Aviso de Sua Majestade era o Contrato do Estanco do Sal do Brasil, em vigor de 1º de janeiro de 1788 a 1º de abril de 1801, arrematado por Joaquim Pedro Quintela & Companhia.
Poucos meses depois, Alexandre, pensando em resolver o problema do sal para as charqueações e consumo doméstico dos demais habitantes do Continente, suplica ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, por mais sal, o que animaria a todos “aumentarem as suas Fábricas de Carnes, couros salgados, manteigas e queijo, por terem certo e mais perto de suas Oficinas o sal que precisarem, e que até o presente lhes têm faltado”. O motivo da falta devia-se ao fato das capitanias de Pernambuco, Bahia, Paraíba e outras, para as quais os comerciantes do Sul levavam seus gêneros à venda, não quererem vender-lhes o sal que precisavam, devido às condições e restrições impostas pelo Contrato deste produto. E quando o vendiam, vendiam por preços exorbitantes.
Na Súplica feita ao Secretário, disse Alexandre que o sal, se comprado nas Capitanias do Brasil, não só lhes seria mais em conta, como “está provado por experiência observada, que o sal da Europa não é útil à melhor conservação das carnes”.
Anexou ainda ao requerimento uma série de Atestados fornecidos por autoridades das capitanias da Paraíba do Norte e Pernambuco, em que manifestavam o interesse para a capitania do Rio Grande do Sul.
E assim, de súplica em súplica, requerimento pós-requerimento, representação pós representação e diversas outras peripécias e aventuras, é que fomos encontrar nosso Rocambole às voltas com o Vice-rei do Brasil, o Conde de Rezende, no ano de 1798, quando então Alexandre, autorizado e dizendo-se representante de Sua Majestade, pede ao Vice-rei que o auxilie na tarefa que lhe fora designada, no sentido de ver as possibilidades de extrair-se das Salinas de Cabo Frio, distrito do Rio de Janeiro, sal em grandes quantidades.
Mas, segundo palavras do Conde, em Ofício de vinte e oito de abril de 1798, dirigido ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, D. Rodrigo de Souza Coutinho, nosso Alexandre andou aprontando alguma coisa que, ao Conde de Rezende, não agradou; pois diz dele o Vice-rei que, “pretendendo o meu favor, para o bom êxito da sua missão”, no sentido de promover as Salinas de Cabo Frio; pois com aquele socorro poderia satisfazer as diligências em que estava empenhado com a Corte; porém, tendo “desaparecido aquele homem” (Alexandre), sem lhe participar os resultados que havia obtido nas Salinas, considerou a cultura do sal na mesma inércia em que se encontrava.
Em outro documento, datado de 28 de outubro de 1798, o Conde, novamente se referindo a Alexandre Inácio da Silveira, diz ao Secretário da Marinha e Ultramar, “que antes minha deliberação tinha concorrido com todas as providências que me requereu Alexandre Inácio da Silveira, a fim de dar conta das diligências, que nessa Corte lhe foram incumbidas; mas, este homem volúvel e sem crédito nesta Praça, coisa nenhuma fez em Cabo Frio, respectiva à sua comissão [incumbência] e benefício daquele povo, o qual, animado por suas promessas, logo tratou de beneficiar as Salinas, que logo, também ficaram no antigo estado, assim que ele inopinadamente dali se retirou, sem ao menos me participar o motivo desta sua não esperada resolução”.
Maiores detalhes sobre a aventura de Alexandre Inácio da Silveira em Cabo Frio, veremos quando da publicação dos Artigos de números 13 e seguintes.

Continua...


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* Artigo publicado no Jornal Diário da Manhã, no dia 8 de agosto de 2010.
Nota: Os documentos transcritos são paleografados e ortograficamente atualizados pelos autores.

2 comentários:

Alipio Coelho disse...

Li e achei muito interessante, sob o ponto de vista histórico, a reportagem sobre Alexandre Inácio da Silveira. Gostaria de fazer alguns comentários sobre o personagem, que encontrei no livro "Dona Mariana Eufrásia" - apontamentos coligidos por Eurico Baptista de Oliveira, de 1968. Nele consta que D. Isabel da Silveira era mãe de Isabel Francisca da Silveira. O livro - que trata da árvore genealógica de D.Mariana Eufrásia - foi feito em poucas cópias e distribuidas entre os irmãos do autor. Creio que contém muitos fatos históricos. Posso, se houver interesse, conversar sobre isso.

V. Marcolla disse...

Prezado Alipio Coelho
Agradecemos sua manifestação no que diz respeito aos comentários sobre nosso artigo e realmente gostaríamos de obter maiores informações sobre Alexandre Inácio da Silveira, que entendemos ter sido um personagem importante para o desenvolvimento da indústria do charque em seus primórdios.
Marcolla e Monquelat